132 embriões metade humanos e metade macacos foram criados na China. Qual o limite da ética?

de Redação Jornal Ciência 0

Se pudéssemos criar um ser, derivado de um macaco com um ser humano, o que teríamos como resultado? O que esta “criação” poderia nos dizer? O que poderíamos descobrir com sua existência? Onde ficariam as questões éticas e religiosas envolvidas nesta manipulação biológica altamente controversa? Há décadas alguns cientistas se fazem as mesmas perguntas e sonham em fazer pesquisas com este foco.

Em um novo experimento, considerado pioneiro e eticamente questionável, pesquisadores conseguiram criar exatamente um híbrido de macaco e células humanas, existindo juntas em um embrião vivo. Um embrião quimera — ou seja, metade humano e metade macaco — jamais seria possível na natureza.

Os estudos da formação de híbridos através da junção de humanos com outros animais têm longa história no mundo científico e sempre esteve carregado por questões morais, éticas e religiosas.

Cientistas de todo o mundo buscam entender os benefícios de organismos quiméricos para estudar diversas questões biológicas que poderiam ser interessantes para nós, humanos, como por exemplo avanços no campo da medicina regenerativa. Mas, muitos cientistas não concordam com este tipo de manipulação.

Se fôssemos capazes de dominar o “cultivo” de órgãos humanos usando tecidos de porcos, isso seria uma revolução global na medicina, resolvendo a escassez de órgãos para transplantes que custa milhares de vidas humanas, todos os anos.

No caso do exemplo citado acima, sobre órgãos humanos cultivados em porcos, o especialista em expressão genética, Juan Carlos Izpisua Belmonte, do Salk Institute, nos EUA, ganhou as capas dos jornais em 2017 quando criou o primeiro embrião porco-humano, visando um dia produzir órgãos humanos em porcos que pudessem ser usados em transplantes.

Ele já havia tentado fazer o mesmo experimento de híbridos, usando humanos e ovelhas, mas a quantidade de células humanas que foram integradas neste processo era muito baixa, o que sugeria que esta interação humano-ovelha não era adequada e apresentava incompatibilidades em nível molecular desconhecido.

Agora, em sua nova tentativa, Juan Carlos se juntou ao biólogo especialista em reprodução de primatas, Weizhi Ji, da Universidade de Ciência e Tecnologia de Kunming, na China, para injetar células-tronco humanas em embriões de macacos da espécie Macaca fascicularis, para entender como estas células poderiam existir juntas.

O cientista chinês Ji Weizhi, e o espanhol Juan Carlos Izpisua. Foto: Reprodução / Salk Institute

Cada blastocisto — estágio inicial de um embrião — foram injetadas 25 Células-Tronco Pluripotentes Induzidas Humanas. Este tipo de célula-tronco humana é capaz de contribuir com o embrião e ajudar na formação dos tecidos circundantes que darão suporte ao seu desenvolvimento.

As células humanas conseguiram se integrar com sucesso em 132 embriões de macacos. Após 10 dias, 103 embriões quiméricos (metade humanos e metade macacos) ainda estavam vivos.

A taxa de sobreviventes começou a cair e a partir de 19 dias, apenas 3 embriões estavam vivos — foi quando a pesquisa foi interrompida e todos os embriões destruídos no 20º dia de acordo com os protocolos experimentais. Em geral, esta nova tentativa mostrou uma taxa de sucesso muito maior do que os embriões porco-humanos que foram criados em 2017, mostrando maior compatibilidade entre as células de humanos e macacos.

Além disso, os cientistas sequenciaram o material genético destes embriões, o que forneceu dados e pistas inéditas sobre a comunicação celular entre seres vivos diferentes, o que pode significar uma melhor compreensão futura e maior taxa de sucesso em novos experimentos.

“Entender quais vias estão envolvidas na comunicação de células quiméricas nos permitirá possivelmente melhorar essa comunicação e aumentar a eficiência do quimerismo em uma espécie hospedeira que está mais distante do ponto de vista evolutivo para os humanos”, diz Juan Carlos, citando ao falar do seu plano de adaptar embriões humanos-porcos para fins de transplantes.

E as questões éticas?

Este tipo de pesquisa deixa a comunidade científica desconfortável, pois representa uma interferência direta tanto na vida humana, quanto nos conceitos mínimos de bem-estar animal. A maioria dos cientistas consideram estes estudos antiéticos ou que, no mínimo, ultrapassem o limite do confortavelmente aceito pela sociedade.

Juan Carlos rebate as críticas e diz deixar claro que as pesquisas foram conduzidas com “a máxima atenção às considerações éticas e em estreita coordenação com as agências reguladoras”. Muitos questionam o fato dele ter escolhido uma universidade chinesa para a realização do experimento, acusando-o de tentar contornar questões legais e burocráticas que impedem este tipo de trabalho em quase todos os países.

“Estamos fazendo experimentos com macacos na China porque, em princípio, eles não podem ser feitos aqui nos EUA por falta de infraestrutura”, disse ao jornal espanhol El Pais em 2019 quando a notícia do início dos estudos foi divulgada pela primeira vez.

Blastocisto (embrião) quimera de macaco-humano. Foto: Reprodução / Weizhi Ji / Universidade de Ciência e Tecnologia Kunming.

Tempo limite

Dr. Juan Carlos afirma que todos os embriões foram destruídos em 20 dias após a criação. As questões éticas giram, principalmente, sobre o que aconteceria se estes embriões metade humanos e metade macacos permanecessem vivos por mais tempo. Possivelmente, um sistema nervoso rudimentar poderia começar a ser formado, entrando neste ponto em aspectos mínimos de “consciência e emoção”.

A ciência, em geral, sempre enfrentou aspectos filosóficos sobre experimentos diversos em pesquisas que envolvam humanos e animais. Cada avanço científico neste cenário, lança dúvidas cada vez maiores sobre as incertezas e as possibilidades científicas, boas e ruins, que podem acontecer e que não foram consideradas.

No estudo, os especialistas em ética, Henry T. Greely e Nita A. Farahan, comentaram uma frase para suavizar as críticas: “Novas pesquisas frequentemente vão contra os limites do pensamento existente sobre a ética; esta pesquisa não é exceção”.

Eles ainda ressaltaram que, mesmo após 20 anos de debates e discussões sobre embriões quiméricos, envolvendo a mistura de humanos com outros animais, ocorreu pouca evolução e aprendizado sobre o tema. Segundo eles, pouquíssimas discussões éticas foram realizadas sobre o uso de células humanas em embriões de outros animais.

Isso, por si só, deixa a questão desconfortável e sem respostas claras sobre qual o limite moral da ciência sobre estes estudos. Os resultados da pesquisa foram relatados na revista Cell.

Fonte(s): Science Alert Imagens: Divulgação / Salk Institute

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