A incrível saga do voo mais longo da história: 64 dias sem tocar o solo; veja como isso foi possível

O recorde de voo de resistência mais longo do mundo foi quebrado no ano de 1959 e permanece invicto

de OTTO HESENDORFF 0

Em 1958, antes da era dos grandes aviões modernos e altamente tecnológicos, dois homens realizaram um feito que até hoje ninguém conseguiu superar: o voo mais longo da história.

Robert Timm e John Cook, impulsionados por um audacioso plano de marketing do Hotel e Cassino Hacienda em Las Vegas, EUA, embarcaram em uma aventura épica que durou 64 dias e 22 horas e 19 minutos.

A missão era simples, mas a execução, extremamente complexa: pintar o nome do hotel em um Cessna 172 e bater o recorde de resistência de voo. Para transformar o avião em um “pássaro de ferro” capaz de tal proeza, várias modificações foram feitas, incluindo a instalação de um tanque extra de combustível de 350 litros.

O reabastecimento, no entanto, era o grande desafio. “Não havia como adaptar um Cessna 172 para reabastecimento aéreo”, explica Janet Bednarek, historiadora da aviação. A solução: um tanque extra que podia ser abastecido por um caminhão no solo.

A manobra era arriscada, exigindo precisão milimétrica dos pilotos, especialmente à noite. As três primeiras tentativas de Timm terminaram em fracasso, mas a persistência era o seu lema.

Na quarta tentativa, ele chamou John Cook, outro mecânico de aviões, para acompanhá-lo. Em 4 de dezembro de 1958, a dupla decolou do Aeroporto McCarran em Las Vegas, e só voltaria a pisar em solo firme 64 dias depois.

Os reabastecimentos aconteciam em uma estrada reta na fronteira entre a Califórnia e o Arizona, onde o avião podia voar baixo e um veículo podia acompanhá-los. Nessas paradas, além de reabastecer, eles também pegavam comida, água e outros suprimentos.

Em seu voo de resistência recorde, o Cessna 172 de Timm e Cook faz uma aproximação para reabastecimento em 1959. Foto: Reprodução / Arquivo do Museu Aéreo e Espacial de San Diego

Para resolver a questão do “banheiro”, a dupla usava um dispositivo portátil dobrável, semelhante aos usados em acampamentos. Os resíduos eram descartados pela janela, no deserto.

Dormir era outro desafio. Um colchão foi colocado na parte de trás da pequena cabine, e os pilotos se revezavam para descansar — tarefa árdua em um avião barulhento e apertado. Cook manteve um diário com anotações diárias, que, segundo relatos, ficaram cada vez mais delirantes com o passar do tempo, devido à falta de sono, estresse, fadiga física e tédio.

A falta de sono quase os matou. No 36º dia de voo, Timm cochilou no comando e o avião voou sozinho no piloto automático por mais de uma hora a uma altitude de 1.200 metros. Poucos dias depois, o sistema de piloto automático quebrou, dando um lembrete do alto preço que a fadiga estava cobrando.

O fim…

No 39º dia da incrível jornada, Robert Timm e John Cook enfrentaram um momento crítico: a bomba elétrica que enviava combustível para os tanques falhou. Sem alternativa, os pilotos precisaram completar a operação manualmente, um desafio que se somou a uma série de falhas técnicas durante o voo recorde.

“O aquecedor da cabine, o medidor de combustível e as luzes de pouso falharam. Mas o mais importante foi que o motor continuou funcionando. É realmente impressionante, tanto tempo voando. Mesmo com combustível e lubrificação, o calor e o atrito podem causar problemas”, disse a historiadora Bednarek à CNN.

Mesmo com as falhas e os riscos, Timm e Cook estavam determinados a bater o recorde de forma incontestável. Eles resistiram por mais 15 dias no ar, completando um total de 64 dias, 22 horas e 19 minutos.

Em 7 de fevereiro de 1959, a dupla finalmente pousou no aeroporto McCarran, em Las Vegas, após percorrer 241 mil quilômetros sem escalas. Eles decidiram que tinham superado qualquer desafio que alguém poderia tentar superar — e ninguém mais tentou.

A aeronave Cessna 172 de Timm e Cook está em exibição no terminal de passageiros do Aeroporto Internacional McCarran, em Las Vegas

O desgaste físico dos pilotos era evidente. Eles estavam muito mal. “Sabemos que a inatividade por tanto tempo pode ser prejudicial ao corpo. Eles se moviam na aeronave, mas não podiam se levantar ou se esticar, e obviamente não podiam se exercitar ou andar. É como ficar sentado por 64 dias — isso não é bom para o corpo humano. Eles tiveram que ser carregados para fora do avião”, disse Bednarek.

Será que esse recorde humano será superado um dia? Bednarek acredita que isso só seria possível se a tentativa envolvesse uma aeronave testando uma nova forma de propulsão ou fonte de energia, para demonstrar sua utilidade. “Fora isso, é difícil imaginar alguém tentando bater esse recorde”, concluiu.

Robert Timm faleceu em 1976 e John Cook em 1995, mas seus nomes estão para sempre gravados na história da aviação. O voo recorde é ainda considerado impressionante.

“Da próxima vez que eu tiver vontade de fazer um voo de resistência, vou me trancar em uma lixeira com o aspirador de pó funcionando, e para comer o Timm vai me dar carne picada em uma embalagem térmica. Quer dizer, isso até meu psiquiatra chegar no consultório de manhã”, brincou Cook em entrevista à época para a CNN Internacional quando questionado sobre a possibilidade de repetir a façanha.

Foto: Reprodução / CNN Internacional

A história de Timm e Cook é um exemplo de perseverança, engenhosidade e ousadia. Uma aventura épica que nos leva a questionar os limites da resistência humana e nos faz lembrar que, às vezes, os sonhos mais loucos podem se tornar realidade.

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Fonte(s): IFLScience / SPS Aviation / CNN Imagem de Capa: Reprodução / IFLScience / CNN Internacional

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