Aplicativos de namoro estão destruindo a vida amorosa e nos tornando insensíveis ao amor, afirmam especialistas

Usuários de aplicativos de relacionamento enfrentam uma era desafiadora de deslizamentos infinitos, conversas superficiais e decepções frequentes, enquanto executivos do setor tecnológico acumulam bilhões após mais de uma década de frustrações amorosas.

de OTTO HESENDORFF 0

O Tinder está no mercado há mais de dez anos, e muitos aplicativos estão chegando a um marco semelhante. Para os usuários de aplicativos de namoro, tem sido uma década de tentativas furadas, sequências infinitas em ser ignorado, “sumiços” de pessoas que pareciam estar interessadas, perfis falsos e um eterno “instalar e desinstalar”.

Os aplicativos criaram uma profecia autorrealizável para solteiros: acreditamos que todos estão nos aplicativos, então nós também temos que estar. De que outra forma poderíamos conhecer alguém nos dias de hoje? E o que há de errado conosco se não estamos tentando conhecer alguém? É tudo muito conveniente para as grandes empresas, de acordo com reportagem de Rachael Revesz, do iNews.

No livro “Celular: Como Dar Um Tempo”, a autora Catherine Price descreve os aplicativos de namoro como “junk food” (comida lixo) e recomenda excluí-los. Não é tão fácil. Esses aplicativos foram inspirados em máquinas caça-níqueis. Você pode abrir o aplicativo 50 vezes por dia, apenas para ver uma notificação agradável na 51ª tentativa.

O Match Group (a empresa-mãe de aplicativos como Tinder e Hinge) está sendo processado nos EUA, com os autores alegando que a empresa incentiva comportamentos compulsivos.

Os advogados escreveram “[…] O Match Group intencionalmente projeta as plataformas com recursos de design viciantes e semelhantes a jogos, que prendem os usuários em um ciclo perpétuo de ‘pagar para jogar’ que prioriza os lucros corporativos em vez de suas promessas de marketing e objetivos de relacionamento dos clientes”. O Match Group negou as acusações.

Executivos do Vale do Silício falam há muito tempo sobre os perigos das redes sociais e afirmam que não permitiriam o acesso a seus próprios filhos. Rachael Revesz cita que as estatísticas mostram que muitas pessoas em aplicativos de namoro já estão em relacionamentos ou apenas procurando valorização do ego.

Os algoritmos também nos canalizam por um caminho estreito em termos de quem acreditamos ser (ou deveríamos ser) atraídos, o que pode nos fazer perder a riqueza da experiência humana.

Aplicativos mercantilizaram o namoro

Os aplicativos de namoro transformaram a busca por parceiros em uma jornada complexa e muitas vezes frustrante, marcada por desilusões e desafios inesperados; um cenário de namoro online repleto de armadilhas.

A mercantilização do namoro, em que a pessoa é reduzida a uma foto de perfil e informações básicas, cria uma desconexão que facilita tratamentos superficiais e desrespeitosos. As consequências dessa abordagem são significativas.

Especialistas citam a “perda de importância” nas relações, onde o carinho e o investimento emocional são substituídos por uma série de opções descartáveis. Isso é evidenciado pela rapidez com que as interações ocorrem e pela fixação em aparência física e dados objetivos.

Benson Zhou, professor da Universidade de Nova York, que estuda sexualidade e mídia digital, destaca como os aplicativos priorizam as aparências, levando a uma simplificação da complexidade humana. “O design desses aplicativos de namoro definitivamente deveria ser responsabilizado por esse tipo de cultura do namoro. É para isso que eles querem direcionar a atenção do usuário e é isso que é priorizado”, disse Zhou à CNN Internacional.

A culpa é dos aplicativos ou das pessoas?

A crescente popularidade dos aplicativos de relacionamento levanta uma questão importante: são essas plataformas ou os usuários os responsáveis pelas experiências negativas vivenciadas?

O professor, Benson Zhou, observa uma discrepância entre a promessa de encontrar amor facilmente e a realidade de conexões superficiais e decepções frequentes. Esse descompasso muitas vezes resulta em ciclos de exclusão e reinstalação dos aplicativos, um fenômeno já examinado em estudos acadêmicos.

Brian, um engenheiro de Atlanta, relata a montanha-russa emocional causada por essas plataformas, onde a busca por uma nova conexão se transforma em uma espera ansiosa por dopamina. Zhou complementa que, para gerar lucro, os aplicativos dependem do retorno constante dos usuários, criando um ciclo vicioso.

Para Foyin Ogunrombi, a sensação é de exaustão, onde a quantidade infinita de opções parece mais um artifício para mantê-la na plataforma do que uma oportunidade real de encontrar um relacionamento significativo.

Em contraste, existem histórias positivas como a de David Argetsinger, um programador que conheceu sua noiva em um aplicativo. Ele destaca a importância de abordar a plataforma com expectativas abertas e a busca não apenas por relacionamentos, mas também por amizades. Essa mentalidade mais relaxada parece ter sido chave para suas experiências positivas.

Alissa Wilson, cientista de dados, compartilha um sentimento semelhante. Apesar de algumas frustrações, ela valoriza a capacidade dos aplicativos de ampliar seu círculo social e permitir um filtro prévio antes dos encontros.

A realidade dos aplicativos de namoro é, portanto, um espectro de experiências — entre a utilidade e a frustração, a esperança e a exaustão. A complexidade dessas experiências levanta um debate contínuo sobre o papel dessas ferramentas na moderna dinâmica de relacionamentos.

Resgatando os métodos tradicionais como alternativa?

Em um cenário onde os aplicativos de namoro dominam o mercado, uma tendência crescente mostra pessoas buscando alternativas para expandir seus círculos sociais além das telas. Cansadas do ciclo interminável de deslizar perfis, muitos estão redescobrindo métodos de namoro mais tradicionais.

Uma dessas práticas que está ganhando popularidade é o “Speed Dating”, especialmente nas grandes cidades. Maxine Simone Williams, fundadora do evento WeMetIRL, em Nova York, iniciou o projeto em 2022 motivada pelo desejo de seus amigos de encontrar espaços alternativos para conhecer pessoas, além de bares e eventos de networking.

Em entrevista à CNN Internacional, Williams expressou sua crença de que os aplicativos de namoro têm limitações significativas, como algoritmos incapazes de prever atração física e emocional. Para ela, aspectos como ver o sorriso de alguém, ouvir a risada e sentir o cheiro de seu perfume são elementos cruciais na atração, algo que os aplicativos não podem oferecer.

Essa busca por um retorno a um estilo de namoro “quase vintage” reflete um desejo de experiências mais autênticas e pessoais, contrapondo-se à efemeridade da tecnologia. Com o Speed Dating, as pessoas têm a oportunidade de interagir pessoalmente, fugindo do padrão moderno de apenas passar o dedo na tela do celular.

A demanda por essas alternativas é evidente, com eventos como o WeMetIRL esgotando rapidamente, inclusive aqueles direcionados à comunidade LGBTQ. Curiosamente, alguns aplicativos de namoro já perceberam esta mudança e estão respondendo, organizando seus próprios eventos para solteiros, indicando um reconhecimento da necessidade de conexões mais humanizadas.

Embora seja improvável que os aplicativos de namoro desapareçam em breve, essa tendência mostra que, apesar dos desafios e frustrações, muitos ainda estão em busca de amor e conexões genuínas. Essa realidade sugere uma evolução no cenário de namoro, onde métodos tradicionais e digitais podem coexistir.

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Fonte(s): Medium / iNews UK / CNN Internacional / Independent / The Guardian Imagem de Capa: Reprodução / Open To Debate 

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