Qual é o estado atual da cura do HIV? Estamos próximos de algo incrível?

de Gustavo Teixera 0

Nesse ano de 2016, há um caso confirmado de cura do HIV: Timothy Ray Brown, que ficou conhecido como “O paciente de Berlim”.

Diagnosticado com HIV em 1995 ao estudar em Berlim, capital da Alemanha, ele foi submetido em 2007 a um transplante de células-tronco hematopoiéticas – um tecido conjuntivo responsável pela produção de células sanguíneas – de um doador com uma mutação rara, que é homozigoto, ou seja, cujos alelos de um ou mais genes são idênticos.

A mutação torna uma pessoa resistente à infecção por HIV desativando a sua entrada em células suscetíveis que expressam CCR – que é uma proteína da família de receptores beta quimiocina – em sua superfície celular. Timothy Ray Brown é considerado completamente curado, como se já não estivesse mais abrigando o HIV em seu corpo e consequentemente não realiza mais terapia antirretroviral (ART).

Dois pacientes de Boston também foram tratados utilizando transplante de células estaminais, embora não de doadores homozigóticos CCR5-delta32 – uma variante genética do CCR5. No entanto, eles tiveram uma recaída no quadro médico.

O grupo VISCONTI é um grupo de 14 pacientes franceses que iniciaram o tratamento antirretroviral (ART) nas primeiras semanas de infecção. Apresentando melhoras por 12 anos, eles são considerados “funcionalmente” curados de HIV, ou seja, continuam a abrigar o HIV, mas já não precisam tomar medicamentos. O mesmo grupo também relatou resultado semelhante para um caso infectado perinatalmente tratado desde o nascimento – ou pelo menos desde os primeiros 5 anos. Ele demonstrou melhoras no quadro quando reexaminado extensivamente até os 18 anos de idade.

O bebê de Mississippi é um caso diagnosticado como HIV positivo no nascimento e tratado com ART desde as primeiras horas de vida. No entanto, ele sofreu uma recaída em 2014, após ser tratado ART nos primeiros 18 meses, seguido por um total de 27 meses de melhora.

Claramente, há a possibilidade do HIV de se tornar latente, a latência do vírus é um desafio tanto para a imunidade anti-HIV quanto para a avaliação precisa do estado da doença. Em tal situação, uma pessoa pode parecer avirêmica – com nenhum vírus detectado – e ainda ter vírus suficiente para desencadear uma recaída.

Principais obstáculos da cura do HIV: a latência do vírus

As células T CD4 (célula T auxiliar) e outras células mieloides, tais como as derivadas da medula óssea são alvos principais da infecção por HIV. O problema é que o vírus com capacidade de replicação pode persistir em células T CD4 em repouso e talvez nessas outras células também.

Avaliar com precisão a carga de vírus latente, reverter e ajudar a manter a imunidade anti-HIV para erradicar completamente o HIV, são as etapas necessárias para mediar a cura em pacientes com HIV que tomam ART. Para planejar uma cura naqueles que utilizam medicamentos, a chave é uma saber exatamente a carga do vírus. No entanto, isso é tecnicamente difícil de fazer.

Métodos que medem o DNA do vírus HIV integrado tendem a sobrestimar a latência, uma vez que não podem discriminar o DNA de HIV com replicação defeituosa. Enquanto o ensaio quantitativo de crescimento viral (QVOA) é muito melhor na medição da frequência de provírus e de replicação competente, tende a subestimar o tamanho do reservatório latente.

Os agentes de reversão de latência (LRA) tais como Disulfiram, Panobinostat, Romidepsina, Valproato e Vorinostat interferem no processo. Contudo, há vários desafios técnicos na avaliação precisa da capacidade de inibir ou inverter a latência.

Dados sugerem que cada um pode inverter a latência em apenas um subconjunto de células infectadas pelo HIV. Com que precisão os dados de modelos animais ou estudos in vitro reproduzem a situação em pacientes humanos? Tais dúvidas sugerem que combinações de LRAs podem ser necessárias para reverter totalmente a latência. Obviamente, se a latência é revertida com sucesso, a imunidade contra o HIV precisa ser lançada para eliminar completamente o vírus.

No entanto, isso é possível para pacientes com HIV que utilizam o antirretroviral (ART)?

O vírus pode persistir como provírus latente em células raras amplamente distribuídas dentro do corpo. Com que frequência o vírus se reproduz sob estas condições? Essa replicação gera expressão e apresentação de antígenos suficientes para desencadear uma resposta imunitária eficaz? Se tal reativação chegasse a ocorrer, a imunidade contra o HIV não teria diminuído enquanto isso?

De qualquer forma, essa imunidade não poderia ser esgotada e ou se tornar disfuncional como resultado da infecção pelo HIV? Por exemplo, o vírus latente sequestrado dentro de células T CD4 em repouso contém algumas mutações de escape de células T CD8, um mecanismo de escape importante uma vez que as células T CD8 (células T citotóxicas) estão entre as mais eficazes na morte de células infectadas com vírus.

Quem toma medicação (ART) tende a ter baixas frequências de HIV específicas em células T CD8. Isto significa que é necessário apoiar a imunidade anti-HIV nestes pacientes através do uso de vacinas terapêuticas. No entanto, nada disso disponível ainda. O segundo grande obstáculo seria parar o tratamento por ART, o que é extremamente arriscado.

Um estudo em um macaco recente que mostrou “cura” usando Vedolizumab, um anticorpo monoclonal contra um receptor de superfície celular de intestino específico. No entanto, são dados preliminares, e devem ser replicados por outros grupos, em seguida, testados em humanos. Além disso, o estudo não utilizou HIV, mas sim SIV, vírus da imunodeficiência de Simian.

Assim, o caminho atual para a cura do HIV está longe de ser simples. No entanto, casos como o paciente de Berlim e o grupo VISCONTI pelo menos colocaram a cura no mapa, algo que não era sequer considerado.

[ Foto: Reprodução / Torange ]

Jornal Ciência