E se acontecer uma guerra nuclear? O que devemos fazer para nos preparar?

de Merelyn Cerqueira 0

Embora a história tenha nos ensinado em muito sobre a ameaça das armas nucleares, tendo em vista o que ocorreu em Hiroshima e Nagasaki em 1945, aparentemente, os líderes mundiais não compreenderam completamente suas consequências.

De fato, vivemos em uma ameaça constante, considerando a situação atual da Síria, que provoca instabilidade entre os governos russo e norte-americano, bem como a tensão envolvendo a Coreia do Norte e EUA. 

Enquanto que para algumas pessoas a negação é a melhor forma de enfrentar um potencial problema, isso não apenas é prejudicial, como também mostra que não estamos preparados para um evento de natureza nuclear e radiológico.

Em um artigo para a The Conversation, o professor Cham Dallas, diretor do Instituto de Gestão de Desastres, da Universidade de Georgia, nos EUA, e que há mais de 30 anos estudo os efeitos causados por eventos nucleares, dissertou sobre a questão.

Força-tarefa para a saúde

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Envolvido em uma série de pesquisas e esforços humanitários realizados em expedições feitas em Chernobyl e áreas contaminadas de Fukushima, ele agora se atém a uma proposta para a formação de uma força de trabalho para a saúde nuclear global. 

Segundo ele, esse grupo poderia reunir profissionais técnicos e de saúde, especializados ou não em questões nucleares. Estes seriam responsáveis por educar, formar e a ajudar a cumprir os requisitos de preparação, coordenação e colaboração pessoal necessárias para responder a uma crise nuclear de grande escala.

Isso porque, qualquer troca de ataques nucleares ou até mesmo colapso de centrais nucleares, poderia imediatamente levar a uma emergência de saúde pública global.

O que o surto de Ebola ensinou ao mundo é que devemos ter recursos para lidar com uma grande ameaça de saúde antes mesmo que ela aconteça. Mas, como essa força-tarefa seria preparada para gerir um potencial ataque nuclear? Para isso, precisaríamos olha para o legado deixado pelos ataques atômicos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, bem como aos acidentes nucleares que ocorreram em Chernobyl e Fukushima.

O que aconteceria se um dispositivo nuclear fosse detonado hoje em uma cidade?

Consideremos primeiramente que, aproximadamente 135.000 e 64.000 pessoas morreram nos ataques de 1945 às cidades japonesas.

Grande parte dessas mortes ocorreu nos primeiros dias após os bombardeios, resultantes de queimaduras térmicas, ferimentos graves e radiação. Ainda, mais de 90% dos médicos e enfermeiros das cidades morreram ou foram feridos no evento, o que complicou ainda mais a situação das vítimas. Isso se deveu, em grande parte, à concentração de pessoal e instalações medicas em áreas urbanas mais próximas.

Esse tipo de concentração é muito comum em grandes cidades do mundo, especialmente as norte-americanas, e servem como um lembrete arrepiante da dificuldade que causa à resposta médica em evidência de um ataque nuclear.

Agora, na hipótese de que um evento semelhante ocorresse hoje em uma área urbana, ideia que Dallas explorou em um estudo feito em 2007 em que um ataque ocorresse em quatro cidade americanas, ele afirmou que, assim como em Hiroshima e Nagasaki, a maioria das mortes ocorreriam pós-detonação. Além disso, a capacidade local de resposta aos cuidados de saúde seria amplamente erradicada.

Ele verificou que um ataque nuclear em regiões urbanas não só destruiria as proteções de saúde já existentes, mas também, muito provavelmente, tornaria extremamente difícil recuperá-las e reabilitá-las. Então, com essas instalações médicas dizimadas, tratar os feridos seria um enorme desafio.

Precisaríamos selecionar e distribuir as vítimas para descobrir como melhor alocá-las e quais recursos e pessoas poderiam ser utilizados.

Agora, junte a isso o fato de que pouquíssimos médicos hoje têm habilidades ou conhecimentos necessários para tratar ferimentos causados por explosões nucleares.

Logo, nossos médicos tentariam tratar lesões com as quais têm pouca ou nenhuma familiaridade, sem contar que os equipamentos e medicamentos necessários para isso sequer estão amplamente disponíveis. 

Embora possa soar absurdo, as autoridades ainda não elaboraram um plano para como os sistemas médicos deveriam lidar no caso de um evento de detonação nuclear em área urbana.

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Realocação de pessoas

Um grande evento de explosão nuclear deixaria grandes extensões de territórios inabitáveis por décadas, isso sem considerar os impactos catastróficos para os seres humanos, economia e meio ambiente. 

Neste cenário, o pesquisador sugere que decisões de evacuar populações inteiras em situações de risco deveriam ser feitas em questão de horas – mas faltam planos e critérios para isso. Além disso, a escala dessas evacuações e reassentamentos em potencial seria gigante.

Tome como exemplo o incidente de Chernobyl. Poucas semanas depois do evento, mais de 116 mil pessoas foram evacuadas das áreas mais contaminadas da Ucrânia e Bielorrússia. Outras 220 mil foram realocadas apenas nos anos subsequentes à tragédia, isso sem contar os milhares que continuam a viver nas áreas classificadas como impróprias, onde a contaminação crônica por césio radioativo continua sendo um problema.

Agora, tome como exemplo Fukushima. No dia seguinte ao terremoto e tsunami que varreu a região, mais de 200 mil pessoas foram evacuadas de áreas dentro de um raio de 20 quilômetros próximo a usina nuclear, por causa da possibilidade de exposição à radiação. 

No terceiro dia, as pessoas que viviam nessa zona de 30 quilômetros ao redor da planta, foram convidadas a permanecer dentro de casa e, eventualmente, aconselhadas a deixar do local.

Esse processo de evacuação foi feito em meio a uma série de desinformações, ordens inadequadas, confusas e atrasos na liberação de informações oficiais. Também, foram relatados problemas para efetivar o processo.

Residentes idosos e doentes foram deixados em áreas próximas à planta, enquanto que pacientes hospitalizados não foram levados para onde deveriam ir. Todos esses problemas, segundo Dallas, levaram à perda da confiança pública no governo.

O cenário mais esperado pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA, é de um ataque nuclear por armas menores – de 10 kilotons – semelhantes às utilizadas para atacar as cidades japonesas. Logo, os protocolos atuais de reposta do país, não incluem evacuações de larga escala e de cidades próximas. Por exemplo, em um cenário hipotético em que Washington D.C. é atacado com uma bomba de baixo poder de destruição (10 kilotons), são previstas apenas evacuações limitadas. São estimadas apenas 100 mil mortes e cerca de 150 mil vítimas.

Eles esperam ainda que a névoa de radiação produzida fique confinada a uma área relativamente pequena, e que somente algumas pessoas precisariam de abrigo moderado. Contudo, o pesquisador considera que é necessária a criação de uma força-tarefa para saúde nuclear global capaz de estabelecer planos para conseguir responder rapidamente a um ataque, bem como planejar ações de evacuação.

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Efeitos a longo prazo da exposição à radiação

De acordo com a Radiation Effects Research Foundation (RERF), criada para estudar os efeitos da radiação em sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, cerca de 1.900 mortes por câncer podem ser atribuídas às bombas atômicas. Dessas, 200 casos de leucemia e 1.700 cânceres sólidos. 

Mas os dados sobre muitos outros potenciais efeitos para a saúde decorrentes da exposição à radiação, como defeitos de nascimento, são menos conclusivos.

Embora estudos tenham demonstrado que a intensa exposição aos raios X de fato produz defeitos de nascimento, há um debate considerável sobre o fato de haver ou não defeitos congênitos nos descendentes de sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki.

Olhando para os dados de Chernobyl, onde a liberação de radiação foi 100 vezes maior do que a das cidades japonesas, há uma falta semelhante de dados definitivos sobre defeitos congênitos induzidos por radiação.

De fato, o impacto mais definitivo sobre a saúde de Chernobyl em termos de números foi o aumento dramático de abortos eletivos em locais próximos e distantes do local do acidente. Isto ocorreu devido à chamada “fobia nuclear”, oriundo da falta de informação e orientação oficial inadequada.

Por não terem sido informadas sobre a real falta de risco, as pessoas se tornaram vítimas de ansiedade e pânico quanto aos possíveis efeitos da radiação.

Mais uma vez, o pesquisador cita a força-tarefa como uma forma ajudar profissionais de saúde, políticos e outras administrações a entender e separar o que é mito de realidade, tomando decisões baseadas apenas em evidências e auxiliando as pessoas a entenderem quais os riscos reais que poderão enfrentar.

Qual é o risco de enfrentarmos outra situação como a de Hiroshima e Nagasaki?

De acordo com Dallas, o risco de enfrentarmos uma troca de ofensivas nucleares – e seu impacto devastador sobre a saúde pública de todo o mundo – aumenta a cada dia.

As armas não estão só se espalhando para outras nações, como as relações internacionais estão cada vez mais voláteis.

A crescente sofisticação tecnológica entre os grupos terroristas, bem como a crescente disponibilidade de materiais radioativos com grande capacidade de destruição também são consideradas especialmente preocupantes. 

No entanto, ele afirma que, apesar das perspectivas mais sombrias que pairam sobre as mentes das pessoas, é uma obrigação moral e ética que as autoridades respondam a isso adequadamente.

Fonte: IFL Science Fotos: Reprodução / IFL Science

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