Morte da campeã olímpica Walewska: a dor silenciosa do suicídio e a importância de falarmos sobre isso

Por que ainda é tabu falar sobre o assunto? Existem várias crenças possivelmente equivocadas sobre o tema que precisam ser abordadas claramente, para diminuir o preconceito sobre questões de saúde mental

de Redação Jornal Ciência 0

A campeã olímpica de vôlei, Walewska Oliveira, de 43 anos, faleceu nesta quinta-feira (21/09), após cair do 17º andar até a sacada de um apartamento no primeiro andar, nos Jardins, em São Paulo.

“Cair” é um termo usado para suavizar a linha de investigação da polícia: possivelmente suicídio. Essa é a mesma percepção do policial que atendeu a ocorrência, das pessoas que trabalham no prédio e até do marido, Ricardo Alexandre Mendes (que deu depoimento logo após a ocorrência), segundo a Revista Fórum. Além disso, até a zeladora do prédio informou que ela teria se jogado.

A imprensa apurou amplamente na manhã de hoje (22/09), que uma carta de despedida foi encontrada sobre a mesa de Walewska, juntamente com uma taça e uma garrafa de vinho. A polícia então direciona suas investigações nesta linha.

O suicídio é um problema de saúde pública que afeta pessoas de todas as idades, classes sociais e origens. É uma questão complexa, com causas que podem ser biológicas, psicológicas ou sociais. Para alguns, esconder o tema pode apenas aumentar o estigma, já que os casos são crescentes e poucos têm informação sobre isso.

Grandes veículos de comunicação, de forma abrangente, ocultaram a palavra suicídio e trocaram por “caiu”, na tentativa de ocultar ou colocar o entendimento subentendido.

Existe uma crença muito profunda de que, ao divulgar um suicídio, outras pessoas tomarão isso como incentivo e farão o mesmo. Mas será que isso é verdade?

O que diz o Centro de Valorização da Vida (CVV)?

A instituição comenta que em uma publicação que, segundo dados da OMS, a cada 40 segundos, 1 pessoa comete suicídio no mundo. Estima-se que o número possa chegar a 800.000 pessoas por ano, mas essa informação não chega até a grande massa da população.

O texto do CVV é crítico ao dizer que as pessoas não sabem disso porque os grandes veículos não tocam no assunto, por normas internas editoriais, por orientação da OMS e de outros órgãos de saúde, que acreditam que isso estimularia o ato.

No entanto, será que essa justificativa é realmente válida? A maioria dos suicídios acontece por causa de doenças como depressão e esquizofrenia, mas existem um universo de motivos ainda não compreendidos pelas ciências humanas.

O que se sabe é que o suicídio pode ser evitado se as famílias, amigos e pessoas próximas souberem identificar sinais claros de quem está pensando em se matar. Saber sobre isso é o primeiro passo de tudo. O silêncio da dor é o pior para quem está sofrendo.

“Se os estudantes de jornalismo ouvem, logo nos primeiros dias de curso, que a grande função da imprensa é de abrir os olhos da sociedade para algo que não está claro, ou mesmo mostrar aquilo que grande parte das pessoas não vê, por que a imprensa não pode também alertar para esse tipo doloroso de morte?”.

“Por que não investir em reportagens que mostrem, de uma maneira sutil e clara, o quanto precisamos falar abertamente de suicídio e o quanto esse tema não pode mais ser tabu entre as famílias?”, relata o texto da CVV escrito por Aline Imercio.

É perceptível que são necessários alguns cuidados especiais. A Associação Brasileira de Psiquiatria recomenda, em cartilha de 2014, que se evite abordagens sensacionalistas, explique métodos e apresente o local onde o suicídio ocorreu — para não incentivar a “popularização” desses espaços — como algumas das dicas sugeridas no manual. Alguns, consideram que estas recomendações podem ser ultrapassadas e não representar a realidade atual.

A nossa imprensa deve ter cautela ao falar não somente do suicídio, mas de tantas outras tragédias. No entanto, permanecer inerte diante de uma realidade que requer ajuda e necessita de assistência é uma atitude que não contribui. Afinal, o jornalismo tem como objetivo principal fornecer informações e prestar serviços, é o que conclui a CVV.

Estimativas anuais no Brasil

No Brasil, em 2022, foram registrados 12.524 suicídios, o que representa uma taxa de 12,5 a cada 100 mil habitantes. O número era 4,9 a cada 100 mil habitantes no ano de 2012. Isso mostra um aumento expressivo que precisa ser olhado com atenção.

O psiquiatra Dr. Humberto Müller, de Rondônia, disse à Câmara em 2021: “No Brasil, acontece uma morte por suicídio a cada 45 minutos, mas para cada morte temos outras 20 tentativas. Os números são altos e preocupantes”, explicou.

Dr. Müller também chamou a atenção para o aumento nos casos de Depressão e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) entre crianças e adolescente. Segundo ele, “4% dos adolescentes brasileiros apresentam sinais depressivos e 1 a cada 4 crianças já apresentou indícios da doença”.

Ele disse que os números de Centros de Atenção Psicossocial são insuficientes para o atendimento de todos. “Em Rondônia, temos apenas um CAPS I (centro especializado no atendimento infanto-juvenil). Os números são muito pequenos pela magnitude dos problemas”.

Causas do suicídio

As causas do suicídio são complexas e multifatoriais. Mexe com questões muito profundas da humanidade. A verdade é que ninguém entende direito sobre isso e tentamos encontrar respostas nos mais diversos ramos acadêmicos: história, antropologia, psicologia, filosofia, medicina. Mas, parece que nada é suficiente para entendermos o “X” do acontecimento.

Em aspectos gerais, em termos de saúde mental, os transtornos mais associados ao ato estão a depressão, ansiedade, transtorno bipolar e esquizofrenia. Estes são fatores de risco para o suicídio. Pessoas que sofreram traumas na infância, abusos físicos, sexuais e emocionais também têm maiores riscos.

Indo além, os que vivem em situações de guerra, passaram por desastres naturais ou acidentes com sequelas físicas importantes, também possuem risco aumentado.

Não somente isso. Fatores sociais como pobreza, desemprego, discriminação e falta de acesso a serviços de saúde mental gratuitos também podem contribuir para o suicídio. Todos nós sabemos o quão difícil é (em alguns locais praticamente impossível) conseguir uma consulta psiquiátrica no SUS.

Pobres não têm a menor chance de acolhimento adequado em clínicas particulares que cobram entre R$ 300 a R$ 600 a consulta. Se não falamos sobre algo tão importante para a sociedade, como questões fundamentais como o acolhimento serão tratadas?

O estigma que gera tabu

O suicídio não deve ser encarado como motivo de vergonha ou escondido. Ele é um problema que ocorre de forma velada. Houve um tempo em que até mesmo o diagnóstico de câncer, AIDS ou doença que gerasse preconceito, também era escondido e não noticiado claramente, como ressalta a jornalista Hildegard Angel, em um post via ex-Twitter.

“O suicídio é um problema de saúde pública. Não é uma vergonha. É o ápice da depressão, que pode levar à morte. A sociedade precisa entender dessa forma e trazer para o debate. É necessário que todos se envolvam na prevenção do suicídio”, disse Hildegard.

O que fazer se você está pensando em se matar?

Existe uma falsa crença de que, após o início dos pensamentos e ideações suicidas não há como voltar, e isso não é verdade. É possível, com acompanhamento e atendimento adequados, regredir o quadro das crises graves e reverter os pensamentos.

Se você está pensando em se matar, procure ajuda imediatamente. Há pessoas voluntárias que se importam com você e querem ajudá-lo. Fale com alguém em quem você confie.

Pode ser um amigo, familiar, profissional de saúde mental ou linhas de prevenção do suicídio, como o CVV (telefone 188), disponíveis 24 horas por dia.

Procure ajuda profissional. Um profissional de saúde mental pode ajudá-lo a desenvolver estratégias para lidar com seus pensamentos e sentimentos suicidas.

Fonte(s): CVV / Câmara / Fórum / HSaúde / UFRGS / Gazeta do Povo Imagem de Capa: Reprodução / Instagra

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