Definição atual de morte pode não ser suficiente

de Gustavo Teixera 0

Uma jovem chamada Jahi McMath encontra-se em uma sala de hospital, ligada a aparelhos que a mantêm viva.

Seu corpo permanece em boas condições. Seu coração ainda bate. Apesar destes sinais que nós associamos à vida, McMath está legitimamente morta desde 2013.

Em janeiro, Justin Smith, de 25 anos, sofreu um acidente na neve e permaneceu em temperaturas abaixo de zero por cerca de 12 horas. Quando seu pai o encontrou, ele não tinha pulso, pressão arterial e não respirava. Ele estaria morto, exceto pelo fato de que ele acordou semanas mais tarde com sua função cerebral intacta. A morte, em teoria, deveria ser clara, mas suas definições técnicas e médicas são amplas. Como o corpo ainda pode funcionar sem o cérebro? E como podemos chamar alguém de morto se há alguma chance de podermos ressuscitá-lo mais tarde?

O século XXI acabou com nossas concepções antigas da morte. Graças aos avanços na medicina e tecnologia, evoluímos na questão de definir a morte, mas essa incerteza vai além do mundo médico. “A luta sobre o que significa estar morto é essencialmente filosófica ou religiosa“, disse Robert Veatch, professor de Ética Médica no Kennedy Institute of Ethics da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos à emissora de rádio, NPR. “Em muitos aspectos, é a questão do aborto no outro extremo da vida”, completa Veatch.

Definições

A definição mais simples de morte parece definitiva: “O fim da vida“. Mas isso é inútil quando consideramos a incerteza que envolve a vida, o debate entre as pessoas consideradas pró-vida e a questão – politicamente mais leve – de determinar se um vírus está “vivo” demonstram o problema.

A Lei Uniforme de Determinação da Morte (UDDA), em 1980 estabeleceu duas ocasiões em que um indivíduo pode ser legalmente declarado morto: “Cessação irreversível de funções circulatórias e respiratórias, ou cessação irreversível de todas as funções de todo o cérebro, incluindo o tronco cerebral“. Embora estas situações pareçam claras, não são raros os casos de enterrar pessoas que não estão no extremo dessa definição.

Assuntos do coração

A forma mais comum de morte ocorre quando o coração para, e, posteriormente, a pessoa para de respirar. Se prolongada, a falta de oxigênio prejudica irreparavelmente o cérebro e pode causar morte cerebral. No entanto, muitas paradas cardíacas ocorrem no hospital, onde os médicos podem imediatamente utilizar um aparelho de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) ou um desfibrilador. Se tudo correr bem, essas técnicas podem restabelecer um ritmo cardíaco normal e assim, restabelecer a vida.

Embora o coração de uma pessoa possa ficar parado por alguns momentos, a cessação não se revelou irreversível, então a pessoa não estava, e não está legitimamente morta. Em vez disso, o indivíduo estava clinicamente morto, considerado o estágio final antes da morte legítima.

Segundo o que explica o livro “Encyclopedia of Death and Dying”, a morte clínica reconhece a presença de “um dos critérios básicos para determinar a morte“, mas não impede os esforços de ressuscitação. Este termo provou ser problemático, no entanto, a ideia de uma morte temporária parece a melhor das hipóteses – e uma contradição fundamental, na pior das hipóteses. O público leigo e profissionais médicos têm questionado a quantidade de tempo que um médico deve persistir em tentativas de ressuscitação cardiopulmonar. Por exemplo, houve casos de pessoas sendo ressuscitadas após receberem RCP por mais de 45 minutos, embora um estudo de 2012 descobriu que o tempo médio que os hospitais gastam em uma RCP após um paciente ter parada cardíaca, é de 16 a 25 minutos. Esta variação no tempo gasto levanta uma pergunta desconfortável: um médico deixa uma pessoa morrer se parar a RCP antes?

Esgotamento cerebral

O segundo critério aceito para a morte legal, relativo à cessação de toda a função cerebral, é ainda mais controverso do que o primeiro. O cérebro é mais complicado do que o coração. É um órgão que pode realizar reparos milagrosos em si mesmo e se adaptar a muitas circunstâncias. Pode ser difícil dizer quando um cérebro é irreversivelmente danificado, e mesmo que seja, o resto do corpo pode estar fazendo um bom trabalho em manter uma aparência de vida.

Muitas pessoas confundem morte encefálica com coma, estado vegetativo ou outros distúrbios da consciência. Em um estado coma ou vegetativo, uma pessoa está viva. Em ambos os casos, há evidência de função neurológica, ou seja, os pacientes geralmente podem respirar por conta própria, seus reflexos ainda podem estar intactos e podem responder a estímulos externos. Na morte cerebral, há zero função cerebral”, comenta o diretor do programa de ética clínica do Centro Médico Dartmouth-Hitchcock, e membro do comitê da Organização Mundial da Saúde sobre o padrão de Determinação de Morte.

A atividade do tronco cerebral, particularmente, pode ser a coisa mais importante a considerar. A parte mais primitiva do cérebro, o tronco cerebral controla funções básicas como respiração, reflexos e coordenação entre o cérebro e a medula espinhal. Mas, mesmo sem qualquer função cerebral, a morte permanece incerta. No caso de Jahi McMath, de 13 anos, a menina perdeu todas as funções cerebrais após complicações cirúrgicas e um médico legista emitiu um certificado de óbito. No entanto, sua família ganhou o direito de manter sua filha ligadas aos aparelhos. No extremo oposto do espectro, Marlise Munhoz, de 33 anos, estava grávida de 14 semanas no momento de sua morte cerebral e a mantiveram ligada a aparelhos por dois meses, apesar dos desejos da família.

Como alguém pode ser legalmente considerado morto, mas ganhar o direito legal de permanecer ligado a aparelhos? E, no segundo caso, parece irracional que uma mulher possa ser considerada morta enquanto, literalmente, gera vida. Situações como a de McMath e a de Munhoz fomentam questões morais e éticas sobre o suporte à vida. As questões éticas são apenas uma parte da equação, já que os avanços tecnológicos têm levado a mais perguntas do que respostas.

Com os avanços no restabelecimento da função cerebral de uma pessoa, ou na substituição de sangue com solução salina para impedir a morte, pesquisadores e médicos estão criando cada vez mais camadas desse gradiente confuso. Então, não é provável que tenhamos essa definição sólida tão cedo. Não vejo nenhuma razão para termos um acordo unânime sobre essa questão“, disse Veatch.

[ Medical Daily / Death Reference ]  [ Fotos: Reprodução / Medical Daily ]

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