TIIC: a doença que faz o paciente querer amputar os membros

de Julia Moretto 0

Uma das condições mais estranhas que os psicólogos enfrentam são pessoas que desejam se automutilar. Conhecido como Transtorno de Identidade de Integridade Corporal ou Xenomelia é o desejo de amputar um membro saudável ou, mais raramente, um desejo de ser paraplégico ou cego. Em todos os casos, os doentes sentem que seu corpo não está completo em seu estado atual.

Normalmente, os pacientes mantêm seu desejo em segredo com medo de serem julgados. Isso faz com que seja um desafio diagnosticar essas pessoas. Eles concordam que essa é uma vontade estranha e irracional, e em muitos casos nem seus parceiros têm conhecimento da doença. Eles são atormentados pela sensação de que seu corpo não é como deveria ser.

Não sabemos muito sobre a extensão da doença e, atualmente, não existe cura para esse problema, já que drogas e psicoterapia não eliminam o desejo. Porém, uma pesquisa recente nos faz acreditar que esse cenário pode mudar em breve. Técnicas recentes podem ajudar quem sofre com essa condição – embora ainda existam muitos especialistas que não acreditam na melhora dos desejos. 

Até o momento, os indivíduos com o transtorno muitas vezes acabam buscando amputação por meio de métodos extremos e perigosos, tamanho o sofrimento que a condição pode causar. Há relatos de indivíduos que refrigeraram uma perna a tal ponto que, quando internados no hospital, os médicos não tiveram escolha senão amputá-la pelo processo de necrose.

As únicas duas cirurgias realizadas “legalmente” foram, na Escócia, durante a década de 1990 em um hospital do NHS (um programa de saúde pública parecido com o SUS, aqui no Brasil), na cidade de Falkirk. O cirurgião teve que se defender na frente de um comitê de ética, e uma decisão foi tomada para evitar quaisquer operações do tipo futuramente.

O resultado é que pacientes desesperados pelo procedimento, acabam indo para lugares onde a cirurgia não sofra impedimentos legais – normalmente na Ásia. De acordo com um estudo norte-americano de 2005, dos 52 pacientes acometidos pela condição observados durante um período de seis meses, 27% tentaram uma amputação. Um recente estudo alemão, analisou 21 indivíduos e mostrou que 47% foram para o exterior realizar a cirurgia.

Histórico e sintomas

Não sabemos há quanto tempo o transtorno existe, mas os primeiros relatos são de 1977. O primeiro estudo em grupo aconteceu em 2005 e a condição ainda não é classificada como uma doença. No entanto, tem havido uma mudança importante na forma como ela é percebida, e a neurociência passou a ter mais interesse sobre ela recentemente.

As evidências identificaram que os pacientes têm uma disfunção nas áreas do cérebro relacionadas com a representação do nosso corpo. Embora os resultados ainda não sejam finais e os possíveis componentes psiquiátricos não devam ser descartados, os resultados são relevantes. Pesquisadores conceberam um tratamento com uma técnica neurocientífica chamada estimulação vestibular calórica. A técnica envolve a estimulação dos receptores vestibulares da orelha esquerda, utilizando uma seringa de água fria com um tubo flexível ligado a ele.

No entanto, existem alternativas promissoras que não foram experimentadas em relação à essa condição. Um é chamado de Estimulação Transcraniana por Corrente Direta, uma técnica não-invasiva que aplica uma corrente elétrica de baixa tensão a um paciente através de dois eletrodos no couro cabeludo. Ela tem sido utilizada nos últimos anos para estudar a representação de seus corpos e para tentar melhorar a situação de pacientes com danos cerebrais. Isto sugere que pacientes com o transtorno sofram de algum desequilíbrio não apenas psicológico, mas também físico.

Há uma nova técnica conhecida por alterar a consciência das ações de nosso corpo. Para isso, o paciente precisa olhar o reflexo de um membro em uma caixa com espelho. Os pesquisadores mostraram que isso pode afetar o controle de uma pessoa sobre suas ações, bem como reduzir ou eliminar a dor fantasma que algumas pessoas experimentam depois de uma amputação.

Apesar das tentativas, são técnicas que ainda não existem comprovações de alívio ou cura para pessoas com Transtorno de Identidade de Integridade Corporal que, em geral, acabam amputando alguma parte do corpo ao longo da vida, já que intensas terapias demonstram ser inúteis na maioria dos casos. O artigo foi publicado originalmente no portal The Conversation.

[ Fonte: Medical Daily ]

[ Foto: Reprodução / The Conversation ]

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