Transplante de medula óssea faz paciente desenvolver a mesma alergia que o doador

de Merelyn Cerqueira 0

Em um estudo publicado recentemente pelo Journal of the European Academy of Dermatology and Venereology, pesquisadores reportaram o primeiro relato de transferência de alergia entre doador e receptor, após um transplante de medula óssea.

O paciente em questão, de 46 anos de idade, sofria de leucemia, e experimentou um episódio de alergia a kiwis, já diagnosticada no doador, após a realização do transplante. De acordo com o Medical Daily, o estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Munique, na Alemanha. Foi reportado que, durante o procedimento de transplante, os médicos extraíram células estaminais hematopoiéticas da medula óssea do doador e implantaram-nas no receptor. O objetivo, inicialmente, era que as células saudáveis repovoassem o sangue afetado e células imunes do paciente.

Enquanto que a operação ocorreu com sucesso, o paciente logo desenvolveu um “sintoma alérgico oral” observado em duas ocasiões em que tentou comer um kiwi. Considerando que ele nunca tinha experimentado qualquer sintoma antes da operação, os médicos realizaram uma análise conhecida como hibridização fluorescente in situ (FISH), para entender melhor qual a fonte da reação. Foram verificadas então as células hematopoiéticas irmãs – um tipo de célula-mãe que dá origem a outras células sanguíneas.

As alergias, por outro lado, ocorrem quando nosso sistema imunológico acidentalmente considera que uma substância inocente seja um invasor potencialmente perigoso. Para o caso de uma alergia de kiwi, o sistema confunde a fruta com uma ameaça e responde com um ataque direto. As células sanguíneas estão por trás dessa reação imune, e porque como maioria delas se origina na medula óssea, por vezes, durante transplantes, pode ocorrer uma transferência.

A análise FISH revelou que as células hematopoiéticas do receptor se originaram no doador. O que comprova que alergia de fato tinha sido transferida. No entanto, de acordo com Dr.ª Jenny Thomas, coautora do estudo, esse tipo de transferência é raro. “Além do nosso caso, um total de 18 receptores não-alérgicos foram relatados como tendo desenvolvido doenças alérgicas após o transplante”, disse. “No entanto, informações conclusivas para a transferência só estão disponíveis sobre cinco dos casos”.

Alergia não é a única característica estranha que pode ser transferida por transplantes. Em 2008, a agência Reuters informou que uma paciente chamada Demi-Lee Brennan, na Austrália, tinha mudado completamente de grupo sanguíneo após receber um fígado. “Na verdade, ela tinha sido submetida a um transplante de medula óssea. Grande parte de seu sistema imunológico também foi mudado de acordo com o doador”, disse Michael Stormon, um hepatologista que tratou o caso.

Há relatos ainda de alguns pacientes mudando de personalidade após transplantes de órgãos. Em um estudo publicado em 1992, pelo Journal of Quality of Life Research, pesquisadores entrevistaram 47 pacientes de Viena, na Áustria, que haviam passado por um transplante cardíaco durante um período de dois anos. Destes, 6% dos transplantados relataram mudanças drásticas de personalidade em razão do novo coração.

De acordo com Thomas, a percepção por trás das transferências alérgicas entre doadores e receptores poderia ter implicações de longo alcance. “Mais informações sobre os mecanismos de transferência de alergia via HCT (Transplante de Células-tronco hematopoiéticas) certamente estenderiam novos conhecimentos sobre a alergia e como ela é estabelecida”, disse.

Os resultados, segundo ela, sugerem que, um dia, os médicos poderão considerar a alergia um status para a seleção de doadores de medula óssea, especialmente os que possuem doenças alérgicas graves.

[ Medical Daily ] [ Foto: Reprodução / Pixabay

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