Os seres humanos podem ter pisado na América do Norte 10 mil anos antes do que pensávamos

de Merelyn Cerqueira 0

Um fóssil de cavalo datado em 24 mil anos está ajudando pesquisadores a reescrever nossa compreensão sobre a presença humana no continente americano.

 

A descoberta foi feita em cavernas de uma região acima do rio Bluefish, no Alasca, EUA, em meio a um extenso deserto, de acordo com informações da SmithsonianAs cavernas foram descobertas em 1975, quando pesquisadores sobrevoavam a região em um helicóptero de reconhecimento. Entre 1977 e 1987, o arqueólogo Jacques Cinq-Mars levou uma equipe até o local para escavar as camadas de sedimentos e ossos, e o que ele encontrou mudou para sempre nosso conhecimento.

 

Na época, a teoria existente era de que os povos da cultura Clóvis tinham sido os primeiros habitantes humanos das Américas a pisar em toda a América do Norte e Central, deixando vestígios, como as características pontas de lança. Já no século 16, a história conta que os europeus propuseram a existência de uma ponte terrestre entre a Ásia e a América do Norte, o que poderia ter proporcionado uma rota para a migração humana mais cedo.

 

Em meados da década de 1940, os cientistas procuraram com afinco a existência de tal ponte, enquanto que as icônicas pontas de lança já haviam sido descobertas no Novo México na década de 1930. A ideia deles era convencer as pessoas de que a cultura Clóvis apareceu xna América há 13.000 anos. No entanto, quando Cinq-Mars trouxe os fragmentos encontrados nas cavernas do Alasca, ele concluiu que os seres humanos, na verdade, haviam ocupado a América há 24 mil anos.

 

Naturalmente, a comunidade cientifica se mostrou cética, com outros arqueólogos levantando uma série de dúvidas sobre as amostras de fósseis encontradas por ele. Porém, considere que, qualquer artefato deixado no meio ambiente pode guardar vestígios de ciclos de congelamento e degelo, rochas próximas e até mesmo o ataque de animais. E isso simplesmente não se encaixava na hipótese dos Clóvis. Por pelo menos 70 anos, todo mundo ficou preso a essa teoria”, disse o antropólogo Dennis Stanford, do Museu Nacional de História Natural Smithsonian. “Qualquer um que tivesse qualquer outro tipo de ideia era refutado”.

 

Essa discórdia em torno da descoberta de Cinq-Mars resultou na falta de análises de uma parcela da coleção encontrada. Logo, os pesquisadores acabaram perdendo interesse e somente agora, 40 anos depois da descoberta inicial, é que a teoria do arqueólogo foi considerada. Por meio de novas análises de 36.000 fragmentos ósseos encontrados, mantidos em uma coleção no Museu Canadense de História, as pesquisadoras canadenses Lauriane Bourgeon e Ariane Burke estudaram e classificaram os fósseis como tafonômicos.

 

Depois de fazer uma classificação completa das marcas nos ossos, de acordo com forças da natureza ou humana, elas realizaram a datação por radiocarbono dos que pareciam ter sidos marcados por seres humanos. O osso mais recente, uma mandíbula de cavalo, apresentava marcas de ferramentas de pedra, o que indicava que o caçador que tentou removê-la deveria ter vivido há pelo menos 24.800 anos.

 

Os vestígios de corte, segundo Bourgeon, indicam que os seres humanos estiveram presentes na América muito antes do que pensávamos, e por isso, se confirmada “a descoberta é enorme”. Ela fornece novas evidências para derrubar uma hipótese antiga envolvendo a cultura Clóvis. Há 10 mil anos antes do considerado, os seres humanos viveram no Ártico Siberiano, antes do último máximo glacial, quando o clima era mais ameno e as opções da caça eram mais abundantes.

 

Os arqueólogos também já haviam encontrado evidências da habitação humana em Beringia, próximo ao rio Yana, datadas em 32 mil anos. Mas, quando o clima ficou mais frio, esses habitantes foram forçados a migrar para regiões com comida e melhores condições de vida. Bourgeon concorda que muitas pesquisas ainda precisam ser feitas na região, mas, baseada em sua descoberta, ela está convencida de que encontrará sítios arqueológicos igualmente antigos e com evidências semelhantes de habitação humana.

Smithsonian ] [ Fotos: Reprodução / Smithsonian ]

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