Medicamentos genéricos podem não ser tão seguros quanto você pensa, diz estudo

de Merelyn Cerqueira 0

Apenas nos EUA, os medicamentos genéricos foram responsáveis por uma economia de US$ 1,7 trilhão de dólares na última década no bolso dos consumidores. 

Os idosos são os maiores compradores deste mercado, embora quase todo mundo já tenha experimentado essas versões mais baratas e teoricamente iguais as originais. Tal constatação, de fato, nos leva a uma pergunta importante: medicamentos genéricos são seguros?  

Segundo C. Michael White, farmacêutico, professor e chefe do Departamento de Clínica Médica da Universidade de Connecticut, nos EUA, em um artigo para o portal The Conversation, à princípio, a resposta para esta pergunta é sim, mas apenas se os fabricantes seguissem fielmente os rígidos padrões estabelecidos pela Food and Drug Administration (FDA), uma espécie de ANVISA dos EUA. 

Logo, e infelizmente, para quem depende de tais medicamentos para economizar dinheiro, é importante saber que o FDA depende muito de um “sistema de honra” de fabricantes estrangeiros, o que não garante a segurança dos remédios.

De acordo com White, que recentemente publicou uma pesquisa sobre o assunto na revista científica Annals of Pharmacotherapy, cerca de 80% dos ingredientes ativos e 40% dos medicamentos genéricos utilizados nos EUA são fabricados no exterior, essa relação levanta questões alarmantes de vulnerabilidade.

Em 2010, 64% das fábricas estrangeiras, predominantemente na Índia e na China, nunca foram inspecionadas pelo FDA. Em 2015, 33% permaneciam sem inspeção. Além disso, ele verificou que empresas de outros países são previamente informadas sobre as inspeções, o que lhes dá tempo para fazer modificações e esconder possíveis provas.

Conforme detalhado no artigo do médico e pesquisador, as inspeções começaram a ocorrer de verdade entre 2010 e 2015, quando diversas fábricas foram impedidas de enviar medicamentos ao país. Neste momento, alguns fabricantes chegaram a destruir evidências pouco antes das inspeções do FDA, manipulando dados de qualidade e segurança.

Tais problemas podem ser mortais para quem consome os medicamentos. De fato, em 2008, cerca de 100 pacientes nos EUA morreram após receberem versões genéricas de heparina, um anticoagulante extraído a partir do intestino de porcos e utilizado para tratar cerca de 10 milhões de pacientes hospitalizados por ano.

Parte desta heparina teria sido substituída por condroitina, um suplemento usado para aliviar dores nas articulações. O FDA constatou que o fabricante estava usando matéria-prima de fazenda não certificadas, que não passaram por testes para ter sua qualidade verificada.

Tais problemas, de acordo com o farmacêutico, continuam até os dias de hoje. No entanto, relativamente falando, o número de medicamentos problemáticos caiu desde 2010, embora o potencial para danos ainda seja grande.

Evidências mostram que o FDA não pode confiar nos documentos emitidos por fabricantes estrangeiros sobre padrões de qualidade, uma vez que estes têm disposição para falsificar, manipular ou destruir dados. Dessa forma, apenas inspeções sem aviso prévio os obrigariam a seguir as regras.

O problema, no entanto, é que é caro, logisticamente desafiador e politicamente desagradável para o FDA realizar inspeções sem aviso prévio em fábricas estrangeiras. Em conclusão, se não for concedido à agência esse direito e financiamento, as pessoas ainda estarão sujeitas à tal vulnerabilidade.

E no Brasil?

Em janeiro de 2020, a ANVISA determinou a retirada das farmácias do medicamento ranitidina, do laboratório Medley, por conta de uma possível contaminação com substância potencialmente cancerígena.

A Medley, à época, anunciou recall de medicamentos à base de cloridrato de ranitidina, que poderiam estar contaminados com N-nitrosodimetilamina. Em dezembro do ano passado, o laboratório Aché suspendeu a comercialização e fabricação de medicamentos contendo o composto.

A ANVISA, no episódio, recomendou que os fabricantes reavaliassem os métodos de análises de processamento e qualidade. Ainda em setembro do ano passado, a agência também suspendeu a importação de ranitidina fabricada por um laboratório indiano após detectar contaminação das amostras com N-nitrosodimetilamina.

O que são nitrosaminas?

N-nitrosodimetilamina é uma molécula pertencente ao grupo das nitrosaminas. De acordo com a ANVISA, é um tipo de impureza encontrado em medicamentos contaminados e que, se usado em longo prazo, pode aumentar as chances de uma pessoa desenvolver câncer.

A impureza pode ser encontrada em laboratórios após sintetizarem substâncias à base de amina para a fabricação de medicamentos.

Fonte: Science Alert / The Conversation / Conselho Federal de Farmácia

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