Após estupros repetidos, peixes fêmeas desenvolveram cérebros maiores, diz estudo

de Merelyn Cerqueira 0

Diferente do que parece, a evolução raramente acontece porque algo é bom para uma espécie. Na verdade, a seleção natural favorece variáveis genéticas que são boas para os indivíduos que as possuem.

No entanto, isso pode levar a um mundo muito mais complicado e confuso, com distintas forças seletivas impondo diferentes direções, até mesmo dentro de uma única espécie. Uma das consequências proeminentes dessa ideia é o chamado “conflito sexual”, um termo utilizado por biólogos evolucionistas para explicar quando um sexo desenvolve uma característica benéficas para si próprio enquanto fornece desvantagens ao sexo oposto – que por sua vez também faz o mesmo.

Logo, o conflito sexual parece explicar algumas das mais estranhas manifestações da biologia reprodutiva que conhecemos, conforme explicou Rob Knell, um Professor da Universidade de Queen Mary de Londres, em um artigo publicado originalmente pela The Conversation.

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Entender os efeitos do conflito sexual, por vezes, pode ajudar a pensar sobre a evolução de sistemas antagônicos. Em 2010, o pesquisador japonês Michio Kondoh mostrou que a evolução do cérebro, por exemplo, pode depender do conflito entre predador e presas. Isso porque, ambos dependem do poder do cérebro para ações de captura ou fuga.

Assim, ao estudar centenas de espécies de peixes, Kondoh mostrou que as presas comidas por predadores de cérebros maiores tendem a evoluir para aumentarem seu próprio órgão. Logo, ao que tudo indica, ambos, predadores e presas, evoluem para conseguirem uma vantagem cognitiva sobre sua concorrência.

Recentemente, uma equipe de pesquisadores suecos e australianos liderada por Séverine Buechel, da Universidade de Estocolmo, notou que o conflito entre predador e presa é, em alguns aspectos, semelhante ao conflito sexual. Isso ocorre porque ele também apresenta dois parceiros antagônicos que estão constante evolução para que possam ultrapassar um ao outro.

Então, os pesquisadores questionaram se, assim como o conflito predador-presa, o sexual também poderia afetar a evolução do tamanho do cérebro. Para testar a ideia, eles realizaram um experimento de evolução laboratorial com espécies de peixes-mosquito orientais. Ao contrário de muitos outros, esses peixes se reproduzem fertilizando ovos dentro do corpo da fêmea.

No entanto, ao invés de cortejá-la, o peixe-mosquito macho simplesmente a ataca, forçando-a a acasalar, o que basicamente caracteriza um estupro. Ele fertiliza os ovos a partir de uma estrutura tubular chamada gonopódio, uma espécie de nadadeira anal modificada, que introduz na fêmea. Não surpreendentemente, a ação não é benéfica para as fêmeas, que continuamente são assediadas e ainda mantêm pouco controle sobre as proles.

Beuchel e sua equipe então, criaram linhagens de peixe cujos machos possuíam gonopódios especialmente longos ou curtos, bem como um grupo de controle em que a nadadeira anal não foi modificada. Os que a tinham a forma mais longa mostraram vantagem na hora do acasalamento coercitivo, bem como experimentaram maiores níveis de conflito sexual.

Após a criação de nove gerações em evolução, os pesquisadores mediram os tamanhos dos cérebros dos peixes machos e fêmeas. Eles descobriram que nas linhagens onde os machos foram selecionados para ter gonopódios maiores, as fêmeas tinham desenvolvido cérebros maiores, cerca de 6% mais pesados do que os de outras linhagens.

Constatou-se que, quando o conflito sexual é mais intenso, as fêmeas que podem usar o cérebro para tentar evitar acasalamento coercitivo, são as mais bem-sucedidas na reprodução. Isso poderia acontecer porque elas seriam menos assediadas ou porque são capazes de selecionar parceiros de melhor qualidade para serem pais de suas proles.

O quão geral esse processo pode ser?

Há muitos fatores evolutivos importantes que também podem levar à evolução do tamanho do cérebro. Por exemplo, viver em grandes grupos sociais mais complicados parece requerer cérebros maiores, o que caracteriza a chamada “hipótese do cérebro social”.

No entanto, tentar entender a inteligência humana em termos de conflito sexual seria algo considerado raso e prematuro, podendo levar a alguns mal-entendidos desagradáveis. Dito isso, o conflito sexual de baixo nível não é raro no reino animal. Porém, temos de olhar mais de perto para termos uma compreensão mais completa da evolução em questão.

[ The Conversation / Daily Mail ] [ Fotos: Reprodução / Wikimedia / Wikimedia ]

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