Os anticorpos que foram inventados para solucionar o “enigma de Deus”

de Julia Moretto 0

O clássico filme de ficção científica, Fantastic Voyage, de 1966, conta a história de um submarino que é reduzido e injetado na corrente sanguínea de um cientista para remover um coágulo de sangue em seu cérebro.

O filme ilustra muitos aspectos da biologia, talvez o mais memorável seja quando Raquel Welch se aventura a sair do submarino e é atacada por anticorpos que a reconhecem como uma invasora e tentam destruí-la.

A Teoria de Instrução sugeriu que todas as moléculas de anticorpo eram as mesmas, mas elas modificaram seu formado, afim de evitar invasões futuras. A alternativa – a Teoria da Seleção Clonal – diz que havia milhares de milhões de anticorpos diferentes, cada um com uma forma. Cada célula B (um tipo de célula imunológica) é especializada em realizar apenas um tipo de defesa. Quando um invasor – como bactérias – entram no corpo, apenas uma célula B irá reconhecê-lo. Essa célula começa a se dividir rapidamente, gerando um grande número de clones. Esses clones possuem grandes quantidades de anticorpos que se prendem ao invasor para destruí-lo.

A Teoria de Instrução de Linus Pauling foi duas vezes vencedora do Prêmio Nobel. Macfarlane Burnet (também um ganhador do Prêmio Nobel) foi o proponente da Seleção Clonal. Os criadores do filme seguiram Pauling, mas abordaram a questão de outra forma. No entanto, eles estavam errados, e a teoria da Seleção Clonal ganhou a discussão.

Atualmente a Seleção Clonal é tão clara que é difícil lembrar que, inicialmente, havia uma falha fatal. Os cientistas sabiam que o sistema imunitário de um animal poderia produzir anticorpos para qualquer corpo estranho. Na década de 1930, Karl Landsteiner, defendeu que os anticorpos poderiam ser criados para deter químicos que sequer existiam.

Isto conduziu a um problema: para a Teoria Clonal ser correta, anticorpos em animais ou seres humanos tinham que ser capazes de reconhecer qualquer antígeno existente. Isto exigiria milhares de anticorpos diferentes. E como cada anticorpo é codificado por um gene separado, deveria haver milhares de genes diferentes. Porém, não há mais de 25.000 genes que codificam o corpo humano, consideravelmente menos do que o necessário para fazer a teoria da Seleção Clonal possível. 

Teoria

Entre 1960 e 1970, especialistas estavam cada vez mais convencidos pela Teoria da Seleção Clonal. Isto fez com que cientistas estudassem por que tantos anticorpos diferentes poderiam ser codificados. Isso foi chamado de “geração de diversidade”, ou “problema de Deus” – em inglês a sigla para “Generation Of Diversity” forma a palavra “GOD”.

Era uma questão tão importante e intrigante que atraiu os melhores cientistas da década e resultou em vários prêmios Nobel. Os especialistas acreditavam que essa teoria tinha vários mecanismos biológicos ainda não compreendidos, como rearranjo de pedaços de DNA nos cromossomos e mutação deliberada de sequências de DNA.

As dificuldades mostraram que era necessário desenvolver novas tecnologias. Algumas das técnicas usadas para responder às perguntas tiveram muitas aplicações. O especialista César Milstein, por exemplo, estava interessado em entender como, durante uma resposta imune, os anticorpos melhoravam a ligação com os antígenos. Ele desejava imunizar um animal e, em seguida, isolar as células B para que elas produzissem os anticorpos. Ele poderia, então, usá-las para estudar a comunicação com o antígeno e também sequenciar o gene que codifica o anticorpo para analisar se ele mudou ao longo do tempo. Ao fazer isso, ele desenvolveu, juntamente com Georges Köhler, em 1975, um método que fez as células B viverem para sempre, tornando-as ilimitadas – denominadas de anticorpo monoclonal.

Milstein percebeu que a sua técnica, chamada de tecnologia de hibridoma, tinha aplicações mais amplas na ciência e na medicina. O impacto de anticorpos monoclonais como ferramentas científicas e para o tratamento de doenças tem sido grande. Porque eles podem ser feitos em grandes quantidades, e, além de serem específicos, eles são usados em muitas experiências e testes clínicos. Eles também se tornaram um importante tipo de fármaco, que tem um importante papel a desempenhar no tratamento de muitos tipos de câncer, assim como outras doenças como a artrite reumatoide. Em termos econômicos, as terapias de anticorpos monoclonais serão vendidas a US$ 75 bilhões.

Vale a pena lembrar que uma das tecnologias mais importantes da Medicina e da Biologia foi desenvolvida para responder a uma questão científica muito básica. Os cientistas estão motivados em desenvolver novas técnicas para responder questões importantes. Eles descobriram que essas técnicas têm importantes aplicações práticas para além do seu propósito original.

[ IFL Science ] [ Foto: Reprodução / Global Biodefense ]

Jornal Ciência