O fenômeno da memória que faz pessoas esquecerem coisas após atravessarem portas

Estudo mede o chamado “efeito de porta”, fenômeno de esquecimento temporário que muitas pessoas já experimentaram, mas não entendem o motivo.

de Redação Jornal Ciência 0

Imagine que você está assistindo a um episódio de sua série favorita. Você decide que a situação exige uma pipoca, então se levanta e vai para a cozinha.

Mas, quando você chega na cozinha, para de repente e pensa: “O que eu vim fazer aqui?”. Você volta para onde estava. Assim que você se senta, lembra-se que queria fazer pipoca. Você volta para a cozinha, desta vez lembrando-se do que foi fazer anteriormente.

Todos nós já passamos por uma situação como essa. Embora esses lapsos de memória possam parecer inteiramente aleatórios, alguns pesquisadores identificaram o culpado: as portas. 

Muitos estudos investigaram como a memória humana pode ser afetada quando alguém passa por uma porta. Surpreendentemente, eles mostram que esses objetos causam esquecimento, e esse efeito é tão consistente que passou a ser conhecido como “efeito de porta”.

O efeito

Quando nos movemos de um cômodo para outro, a porta representa a fronteira entre um contexto (como a sala de estar) e outro (a cozinha). Usamos limites para ajudar a segmentar nossa experiência em eventos separados, para que possamos lembrá-los mais facilmente mais tarde.

Esses “limites de evento” também ajudam a definir o que pode ser importante em uma situação e o que pode ser importante em outra.

Portanto, quando um novo evento começa, essencialmente eliminamos as informações do evento anterior porque podem não ser mais relevantes. Ou seja, o nosso desejo pela pipoca está ligado ao acontecimento da sala (a série) e essa ligação é interrompida assim que chegamos à cozinha.

Vamos testar

Se o efeito da porta é tão poderoso, por que esses lapsos de memória em casa são realmente raros? Na pesquisa mais recente sobre o tema, publicada na revista científica BMC Psychology e realizada pela Bond University, na Austrália, 29 pessoas usaram um fone de ouvido de realidade virtual e percorreram diferentes salas em um ambiente 3D.

A tarefa era memorizar objetos (uma cruz amarela, um cone azul e assim por diante) nas mesas dentro de cada sala e então passar de uma mesa para a outra. Crucialmente, às vezes, a próxima mesa ficava na mesma sala e, em outras ocasiões, as pessoas tinham que passar por uma porta deslizante automática para outra sala.

Para surpresa dos pesquisadores, as portas não afetavam a memória. Ou seja, as pessoas muito raramente esqueciam os objetos, quer elas passassem por uma porta ou não.

Eles decidiram repetir o experimento, mas desta vez com 45 pessoas realizando uma difícil tarefa de contagem ao mesmo tempo, para aumentar a pressão.

Nessas condições mais difíceis, confirmou-se o “efeito de porta”. Ou seja, passar pelas portas prejudicou a memória das pessoas sobre os vários objetos. Especificamente, as pessoas eram mais propensas a confundir um objeto semelhante com aquele que deveriam ter memorizado. Essencialmente, a tarefa de contagem sobrecarregou a memória das pessoas, tornando-as mais suscetíveis à interferência causada pela porta.

Essa descoberta da segunda experiência se assemelha mais à experiência cotidiana, da nossa vida do dia a dia, em que na maioria das vezes esquecemos o que viemos fazer em uma sala quando estamos distraídos e pensando em outra coisa.

A porta é a culpada?

A equipe acredita que a resposta está no fato de ter projetado os quartos para serem visualmente idênticos. Não houve mudança de contexto e não houve surpresa com a aparência do quarto ao lado.

Isso significa que não é tanto a porta em si que causa o esquecimento, mas sobre a mudança de ambiente.

Os resultados sugerem que quanto mais realizarmos várias tarefas ao mesmo tempo, maior será a probabilidade de nossa memória ser apagada ao atravessarmos portas.

Só podemos ter uma certa quantidade de informações em mente por vez. Quando somos distraídos por pensamentos sobre outras coisas, nossa memória de trabalho pode ficar sobrecarregada com mais facilidade.

Além disso, não são apenas portas. Nosso cérebro se engaja na “segmentação de eventos” em todas as facetas da vida, seja no espaço físico ou em um sentido mais abstrato.

Então, o que podemos fazer?

Na maioria dos casos, nossa tendência de segmentar nossas vidas em eventos distintos é realmente vantajosa. Nossa capacidade de informação é limitada, então não podemos nos lembrar de muitas informações de uma só vez.

Assim, é mais eficiente para nós apenas recuperar informações sobre a situação atual, em vez de lembrar todas as informações de tudo o que experimentamos recentemente.

Mas, se quisermos escapar do “encantamento da porta”, nossa melhor chance é manter a mente focada. Portanto, continue pensando na pipoca da próxima vez que quiser comer um pouco enquanto assiste à sua série favorita.

Vá para cozinha pensando na pipoca sem se distrair, e assim não se esquecerá quando chegar em frente ao micro-ondas. Caso vá correndo ou comentando a série, sua mente não estará focada na pipoca, e o “efeito de porta” poderá apagar o que você foi fazer ali.

Fonte(s): Science Alert Imagens: Reprodução / Shutterstock / Shutterstock

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