Biohacker implantou mais de 50 chips no corpo para se tornar uma ciborgue

Lepht afirma ser transhumanista que busca “superar limitações” de seu corpo há 14 anos. Existe um movimento que pensa o mesmo, que o futuro será uma fusão do corpo com a tecnologia

de Redação Jornal Ciência 0

Qual será o próximo passo na evolução humana? Uma pergunta que certamente assombra a mente de muitos cientistas hoje, mas que terá que ser respondida em algum momento. Não temos como fugir dos avanços tecnológicos que ganham espaço a cada dia em nosso cotidiano.

Há um grupo de pessoas que levam essa questão um pouco mais a sério e estão dispostas a experimentar em seus próprios corpos o limite onde nós, humanos, seríamos capazes de fundir com a tecnologia — por mais que pareça, este assunto não é ficção.

Este movimento recebe vários nomes: transhumanistas, biohackers e até mesmo “grinders”. Resumidamente, são pessoas que querem transcender a experiência humana, buscando se aproximar do que seria um ciborgue. Este, é o caso de Lepht Anonymous (foto de capa).

Lepht define-se como hacker da Inglaterra especialista em wetware, sem gênero, sem rosto, sem deuses ou dinheiro, que gosta de pessoas, ciência e transhumanismo prático.

Essa é a definição que dá sobre si em seu blog Sapiens Anonym, onde compartilha suas experiências e transformações para se tornar ciborgue.

Lepht já realizou mais de 50 cirurgias, por conta própria, com ajuda de outros “transhumanistas práticos”, para implantar chips em diversas partes do corpo e realizar modificações que usando a tecnologia para tentar “melhorar” algumas funções do corpo.

Biohacking, wetware, transhumanismo, grinders?

Embora todos esses termos possam deixar você confuso, eles não são nada novos e, mesmo que você não os tenha em seu dicionário pessoal, talvez esteja praticando ou vivendo, de alguma forma, das ideias que estes grupos compartilham.

Vamos começar com wetware, um termo usado para descrever a incorporação de conceitos desde a construção física conhecida como sistema nervoso central até a construção mental conhecida como mente humana. De modo mais simples: wetware é uma abstração de duas partes de um ser humano visto a partir de conceitos de hardware e software de computador.

Enquanto um hacker busca modificar ou invadir sistemas (software) de um jeito que os criadores daquele sistema não planejaram, o biohacker busca modificar um sistema humano integrado, corpo e mente, de maneiras impensáveis.

E a modificação do corpo pode ser feita de várias maneiras, como fazer jejum intermitentemente ou beber vinagre de maçã todas as manhãs para melhorar o metabolismo. Isso, milhões de pessoas fazem ao redor do mundo sem imaginar que isso é um comportamento de “biohacking”.

Sim, “biohacking” é um termo extremamente amplo que pode abranger muitas atividades, desde a realização de experimentos científicos com leveduras ou outros organismos, rastrear o próprio sono e dieta usando aplicativos, ou até mesmo mudando sua própria biologia bombeando o sangue de uma pessoa mais jovem para dentro do corpo na esperança de combater o envelhecimento — apesar de parecer bizarro, isso é mais comum do que você imagina no famoso Vale do Silício.

Tratamentos criogênicos ou termogênicos pelos quais atletas de alto rendimento são submetidos para acelerar a recuperação natural do corpo após intensa atividade física podem ser classificados como “biohacking”.

Ou tratamentos semelhantes que procuram impedir o envelhecimento. Nesse sentido, Michael Jackson, e toda a sua transformação física cairiam na categoria de “biohacking”, mas também o extremo cuidado que Cristiano Ronaldo tem com seu corpo.

Outro “biohacker” popular e conhecido seria Elon Musk, que, no entanto, faz parte de um lado dessa tendência que quer ir muito mais longe.

Musk, o excêntrico bilionário, acredita que a Neuralink, uma de suas empresas de tecnologia, é a chave do futuro. Ele está usando seus bilhões de dólares para desenvolver chips implantáveis ​​no cérebro e garantir “o futuro da humanidade como civilização”.

Os chips da Neuralink prometem substituir funções cerebrais comprometidas por traumas ou doenças neurodegenerativas, ajudando as pessoas, por exemplo, a salvar suas memórias de forma que possam acessá-las à vontade.

Embora possa parecer algo saído de um capítulo da série Black Mirror, a verdade é que os avanços conhecidos da empresa até agora se limitam a um macaco com um chip no cérebro jogando videogame. Mas, muitos especialistas e futuristas acreditam que a empresa possa ter sucesso em suas pesquisas nas próximas décadas.

Macaco de pesquisa da Neuralink de Elon Musk jogando videogame após chip implantado no cérebro.

Quando falamos em usar a tecnologia para literalmente fazer melhorias no corpo, estamos entrando no reino do “transumanismo”, termo definido em 1990 pelo filósofo britânico Maz Moore.

“Os transumanistas buscam a continuação e aceleração da evolução da vida inteligente além de sua forma humana atual e suas limitações por meio da ciência e da tecnologia, guiados por princípios e valores de promoção da vida”, disse Maz Moore em entrevistas à época.

Dentro desta categoria estão aqueles que decidem agir por conta própria na busca da transcendência humana, são chamados de “transhumanistas ativos”, porque estão dispostos a fazer experiências com o próprio corpo, implantando chips ou elementos tecnológicos para aprimoramento das funções humanas, ou para adicionar “características” que naturalmente não possuímos.

Dr. Kevin Warwick, conhecido como “Capitão Cyborg”, que desde os anos 90 vem implantando todo tipo de eletrônica em seu corpo.

Nessa categoria estão os chamados “grinders”, que se percebem como ciborgues, um híbrido entre homem e máquina, elo intermediário dessa evolução que acreditam que irá acontecer nas próximas centenas de anos.

Neste grupo, por exemplo, entra o Dr. Kevin Warwick, conhecido como “Capitão Cyborg”, que desde os anos 90 está implantando todo tipo de dispositivo eletrônico em seu corpo. Além disso, também é representante Neil Harbisson, artista e ativista ciborgue (também britânico) que foi o primeiro a implantar uma antena em seu cérebro e ser oficialmente reconhecido pelo governo como um ciborgue. Lepht também faz parte desse grupo.

Neil Harbisson foi a primeira pessoa a implantar uma antena em seu cérebro e ser oficialmente reconhecido pelo governo britânico como um ciborgue.

50 implantes no corpo

O primeiro implante cirúrgico de Lepht ocorreu em 2007, quando comprou um chip digital e um leitor online, além de instrumentos médicos para auxiliar no procedimento. Fez isso contando com a ajuda de uma amiga que estava estudando medicina e que fez a incisão, inserindo o chip.

Desde então, não parou mais, continuando com cirurgias e implantes até ultrapassar os 50, testando todos os tipos de dispositivos e os limites da ciência e de sua própria humanidade.

Um dos motivos de sua notoriedade entre a comunidade biohacker é que a maioria de suas cirurgias foi realizada por suas próprias mãos sem o uso de qualquer tipo de anestésico. Não tendo um diploma em medicina, às vezes comete erros e sente intensa dor, mas não consegue parar com as modificações.

Em seu blog, escreve que está ciente dos riscos que pode correr, porque não tem formação em medicina e que muitos outros “grinders” não são da área de saúde, embora existam pouquíssimos cirurgiões ao redor do mundo.

Cada implante é um avanço, mesmo cada falha deixa um aprendizado que está disponível para toda a comunidade de grinders e biohacker.

A lógica por trás disso é simples: se partirmos da ideia de que a fusão com a tecnologia é a próxima fronteira, o mundo se divide entre aqueles que aguardam que isso aconteça e aqueles que desejam acelerar o processo.

No caso de Lepht, seus implantes foram de todos os tipos, como por exemplo ímãs em seus dedos. Esses ímãs podem ser ativados por pequenas bobinas de fio conectadas a sensores externos, como ultrassom ou infravermelho, permitindo que você “sinta” a distância entre os dedos e objetos e até mesmo o calor.

Outro implante permite que você passe seu cartão de crédito através da pele, pois foi implantado um chip que pode ser decodificado por qualquer leitor de cartão, pagando as compras normalmente.

Qual a próxima fronteira?

Lepht não está só como biohacker que faz experiências com implantes. O transumanismo está ganhando força em um mundo cada vez mais focado em tecnologia.

Existe até um político transumanista que nas eleições de 2015 quis levantar sua candidatura à presidência dos Estados Unidos, chamado Zoltan Istvan, prometendo em sua plataforma de campanha avançar rumo à “vida eterna” por meio de pesquisas para desenvolver o transumanismo.

Elon Musk com o robô que seria usado nas cirurgias para inserir os chips Neuralink.

Istvan tem nas mãos implantes que lhe permitem abrir as fechaduras de suas casas e no meio da campanha ele convidou os ouvintes a pensarem nesses implantes como algo “divertido” que poderia resolver a vida de muita gente.

“Para algumas pessoas sem braços funcionais, aparas nos pés são a maneira mais fácil de abrir portas ou operar alguns utensílios domésticos usando chips”, disse ele ao The New York Times à época.

Há quem junte estes implantes à arte, como o já citado Neil Harbisson ou a também a artista Moon Ribas, coreógrafa espanhola que desenhou e implantou nos pés sensores sísmicos que lhe permitem perceber em tempo real terramotos ao redor do mundo, desde que sinta as vibrações das placas tectônicas da Terra.

Com isso, Ribas dança, e faz sua coreografia, conectando seu corpo com o planeta Terra por meio da tecnologia.

Moon Ribas, a artista ciborgue que coreografa as vibrações da terra graças a sensores implantados em seus pés.

Esses exemplos nos confrontam com a ideia de que essa “próxima fronteira” parece já estar aqui, e que não teremos que esperar por nenhuma invenção revolucionária de Elon Musk para desfrutá-la. É claro que ainda há um longo caminho a percorrer antes de todos nos tornarmos ciborgues, mas graças a pessoas como Lepht e magnatas como Musk, poderíamos acelerar esse caminho.

Fonte(s): Infobae Imagens: Reprodução / Infobae e Shutterstock 

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