Síndrome rara faz com que pessoa não acredite estar cega

de Merelyn Cerqueira 0

Chamada de Síndrome de Anton, a condição é caracterizada pela anosognosia visual, ou negação da perda de visão. Embora os tratos visuais estejam intactos, os centros de associação visual no córtex occipital podem estar comprometidos.

Logo, os pacientes com a síndrome acreditam fielmente que pode ver, enquanto que de fato não podem. Eles se comportam e falam como se estivessem vendo tudo. A presença da condição pode ser notada quando começam a andar se apoiando em paredes, cair sobre os móveis ou descrever objetos que não estão presentes, de acordo com informações de um estudo de caso publicado em 2009 pelo Journal of Medical Case Reports.

Segundo os autores do caso, Mohana Maddula, Stuart Lutton e Breffni Keegan, uma mulher de 83 anos, com antecedentes de demência leve, hipotireoidismo e um carcinoma gástrico ressecado, foi encontrada desmaiada no chão de sua casa. Após ter sido socorrida, verificou-se que sua capacidade funcional era boa e que não havia sofrido nenhuma perda sensorial. No entanto, exames clínicos mostraram um grave comprometimento de acuidade visual.

Apesar de uma diminuição significativa de sua visão objetiva, ela sustentou firmemente que ainda era capaz de “ver” as coisas ao seu redor. A partir de uma tomografia computadorizada, os médicos encontraram evidências de um infarto agudo nos lobos occipital e parietal direito e occipital direito, bem como uma isquemia periventricular generalizada consistente com o diagnóstico de cegueira.

Enquanto em período de hospitalização e reabilitação ela seguiu afirmando que podia ver. No entanto, quando foi questionada sobre as características da gravata de um dos médicos, apresentou uma resposta rápida, porém incorreta. Em outra ocasião pediu a uma enfermeira que acendesse “algumas velas” porque seu quarto estava muito escuro. Ainda, embora negasse o déficit visual, aceitava assistência por parte dos funcionários do hospital.

De acordo com o neurocientista David Eagleman, em seu livro “Incógnito”, a Síndrome de Anton é um distúrbio em que um derrame pode resultar em cegueira, mas os sintomas são negados pelo paciente. “Os que sofrem de síndrome de Anton não estão fingindo que não são cegos; eles verdadeiramente acreditam que não o são. Suas respostas verbais, embora inexatas, não são mentiras. Eles estão vivendo o que consideram ser a visão, mas tudo é gerado internamente”, escreveu o autor.

Logo, porque acreditam estar vendo normalmente, não procuram ajuda médica. Somente quando começam a sofrer acidentes dentro de casa é que notam que algo está errado. Isso, de acordo com o autor, ocorre porque o cérebro já tem registrada uma série de informações visuais que se acumulam ao longo da vida e que, apenas em alguns casos específicos, são liberadas após um AVC e passam a ser utilizadas como se a pessoa realmente estivesse enxergando.

Logo, se considerarmos a visão como um processo extremamente complexo de ilusões, imagens congelas e criações cerebrais, fica mais fácil de entender como o cérebro de pessoas com a síndrome reage de tal forma.

Embora pareçam estranhas, as respostas da paciente podem ser compreendidas como seu modelo interno: as informações externas não estão chegando aos lugares certos devido ao derrame, e assim a realidade do paciente simplesmente é aquela gerada pelo cérebro, com pouca ligação com o mundo real. Nesse sentido, o que ele vive não é diferente dos sonhos, das viagens proporcionadas por drogas ou alucinações”, escreveu Eagleman.

[ Journal of  Medical Case Reports ] [ Fotos: Reprodução / Pixabay ]

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