A Dipirona é um analgésico e antipirético (que previne ou reduz a febre) de uso comum no Brasil. É um dos medicamentos mais vendidos no país, com mais de 100 milhões de unidades comercializadas anualmente. Só em 2022, foram mais de 215 milhões de doses!
No entanto, a Dipirona é proibida ou tem comercialização restrita em pelo menos 30 países, incluindo Estados Unidos, Japão, Austrália e grande parte da União Europeia, há décadas.
Sua proibição é tema polêmico entre autoridades internacionais de saúde. Isso ocorre porque a dipirona pode causar uma doença rara extremamente grave, chamada agranulocitose, e levar à morte.
A agranulocitose é uma condição na qual o corpo produz uma quantidade insuficiente de glóbulos brancos — células responsáveis pela defesa do organismo contra infecções.
Os sintomas da agranulocitose incluem febre, dor de garganta, dor de cabeça, calafrios, fadiga e fraqueza. Casos mais graves da doença permitem infecções potencialmente fatais como pneumonia, meningite e septicemia.
O risco de desenvolver agranulocitose associada à dipirona é de 1 pessoa a cada 100.000 doses ou 1.000.000 de doses. Mas, embora o risco seja baixo, é considerado significativo o suficiente para justificar a proibição ou restrição da Dipirona em vários países.
História e mistérios da Dipirona
A dipirona foi desenvolvida na Alemanha na década de 1920, pela empresa farmacêutica Hoechst AG. Apenas 2 anos após sua criação, em 1922, já estava disponível em drogarias pelo mundo, inclusive no Brasil.
Foi o primeiro analgésico lançado no Brasil, tornando-se rapidamente um dos medicamentos mais populares, sendo registrado pelo nome comercial Novalgina.
Apesar dos 100 anos de sua existência e uso, ainda não é conhecido completamente o mecanismo que faz a Dipirona baixar a febre e a dor, sendo essa questão cercada de hipóteses.
Em entrevista à BBC Brasil, a farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, salientou que a principal suspeita de ação é a inibição de uma molécula inflamatória chamada “COX”.
“A hipótese é que ela iniba a COX, inclusive um dos tipos dessa molécula que é exclusivo do sistema nervoso central, o que aliviaria a inflamação por trás da febre e da dor”, comentou.
A proibição
A Dipirona era facilmente encontrada em boa parte do mundo até meados dos anos 1960 e 1970. Nesta época, começaram a surgir os primeiros estudos que faziam ligação direta do medicamento com a agranulocitose.
Ocorre que, à época, um estudo feito no ano de 1964 dizia que a Aminopirina — um analgésico com molécula muito parecida com a da Dipirona — causava agranulocitose em 1 a cada 127 pessoas.
Baseado neste estudo, que não era diretamente conectado com a Dipirona, mas sim com uma substância parecida com ela, os autores da pesquisa não fizeram distinção entre as duas e acreditaram que os mesmos resultados da Aminopirina também eram aplicáveis à Dipirona.
Usando essa evidência, somada a outras análises, o FDA dos EUA decidiu retirar a Dipirona do mercado norte-americano em 1977.
Seguindo os EUA, logo depois países como Austrália, Japão, Reino Unido e partes da União Europeia decidiram tomar a mesma atitude e baniram o analgésico.
Em 1980, um estudo feito com mais de 22 milhões de pessoas em 8 países, mostraram que a ocorrência de agranulocitose era de 1 para cada 1 milhão de indivíduos que usaram a Dipirona — uma frequência tão baixa que não justificaria a proibição imposta pelos EUA e outros países.
Controvérsias
Outros estudos foram feitos, em diversos outros países, e cada um mostrava taxas de incidência de agranulocitose completamente diferentes. Isso gerou uma “confusão” científica, deixando alguns países com receio de liberar a Dipirona.
Na verdade, sabe-se que algumas pessoas têm uma mutação genética que favoreça o aparecimento de agranulocitose ao tomar Dipirona. Essa mutação está mais concentrada em populações dos EUA e Europa.
No Brasil, a Dipirona foi alvo de estudos que analisaram dados de 548 milhões de pessoas entre 2002 e 2005, em parceria com a Argentina e o México. Do total, apenas 52 casos de agranulocitose foram registrados.
Antes disso, em 2001, a Anvisa realizou uma avaliação de segurança da Dipirona, mostrando que o analgésico é seguro. O relatório final afirma: “Os riscos atribuídos à sua utilização em nossa população são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado”, diz.
Além do Brasil, países como México, Rússia, Alemanha, Índia, Espanha, Israel, Argentina, dentre outros, utilizam a Dipirona como analgésico de larga escala.
Fonte(s): BBC / Brazilian Journal of Health Review Imagem de Capa: Reprodução