Seu veneno é um verdadeiro coquetel de fragmentos de proteínas absurdamente neurotóxicas. Vamos admitir: as conchas dos caracóis marinhos são verdadeiras obras de arte, com combinações de cores que hipnotizam qualquer pessoa, mas, quando estivermos falando do caracol-do-cone é melhor você ficar longe. Bem longe!
Ao todo, existem quase 700 espécies de caracol-do-cone vivendo nos mares tropicais, e quase 100 delas são venenosas. Uma, cujo nome científico é Conus pannaeus, possui veneno poderosíssimo formado por centenas de substâncias e compostos; até mesmo venenos de cobras estão presentes nesta mistura mortal.
Outra espécie, a Conus geographus, mata sua vítima injetando altas doses de insulina, gerando um choque hipoglicêmico instantâneo, deixando a presa imóvel ao ser engolida.
Apesar de vários representantes deste tipo de caracol serem tóxicos, o Conus pannaeus é um dos mais estudados. A espécie possui uma substância que pode ser 1.000 vezes mais potente que a morfina, quando falamos em poder analgésico.
Isso permite uma alternativa aos opioides (analgésicos derivados da papoula), que podem ser extremamente viciantes, como a morfina, fentanil, meperidina (Demerol), entre outros.
Pesquisas revelam que apenas uma gota do veneno deste lindo molusco é suficiente para matar 20 pessoas adultas. Apesar de terrível, ele não é uma descoberta científica recente.
Há cerca de 30 anos cientistas da Universidade de Utah isolaram uma molécula do veneno desse caracol e constataram que possuía um poder analgésico impressionante em humanos.
Os estudos não pararam por aí, e uma série de outros, que duraram mais de 20 anos, conseguiram sintetizar em laboratório o mesmo composto, que atualmente é utilizado em um fármaco chamado Prialt (o princípio ativo é a ziconotida).
Umas das grandes vantagens desse medicamento é não possuir problemas com “desmame” ao parar o uso.
O problema da morfina é o seu poder de causar vício por ser um opioide. Quando bem controlado por médicos, o risco é mínimo, mas existe.
Muitos viciados usam opioides como narcóticos, comprando de traficantes versões ainda mais fortes, como o famoso Fentanil (100x mais forte que a morfina), que gerou uma crise de saúde nos EUA e Canadá há pouco tempo. Já a ziconotida não possui efeito viciante.
Muitas moléculas do veneno ainda não possuem estudos que provem ou indiquem suas respectivas ações, porém, existem cerca de 6 tipos de toxinas que são bastante estudadas e suas ações no corpo humano são completamente compreendidas.
É importante salientar que esse veneno pode ser retirado de todos os caracóis do gênero Conus. O DNA destes caracóis parece ter um gene responsável pela fabricação do veneno.
Isso indica que o gênero teria sofrido uma mutação ao longo das gerações, o que proporcionou ao animal produzir suas toxinas rapidamente e com uma variedade espantosa de moléculas, para ajudá-lo em sua defesa e caça.
O veneno pode ser retirado dos caracóis mortos ou ainda vivos. O grande problema de se retirar sua glândula após a morte é que, dentro dela, possui uma infinidade de milhares de compostos que, muitas vezes, não são usados pelo caracol para matar a presa, e isso dificuldade isolar os princípios ativos.
Já a retirada do veneno do caracol ainda vivo, é mais assertiva, mas também complicada porque não é fácil lidar com um animal grande, extremamente perigoso, pegajoso e escorregadio, e que não libera as toxinas facilmente se não quiser atacar um animal para se alimentar.
A ação de suas neurotoxinas nos faz pensar que suas vítimas (moluscos e peixes) não sintam nenhuma dor na hora do ataque. A inserção do veneno na presa é extremamente rápida, paralisando-a eficazmente.
Logo em seguida, a ação poderosa dos analgésicos entra em ação: a presa poderá ser engolida e se “sentir nas nuvens” com doses tão altas em seu corpo.
Extinção
Infelizmente, as espécies de caracol-do-cone são sensíveis aos agentes poluentes que a sociedade moderna joga nos oceanos. Os cientistas acreditam que as espécies deste caracol podem ser extintas em breve. Não somente a poluição, mas à pesca excessiva está reduzindo drasticamente sua população.
Os pesquisadores buscam entender todas as propriedades destes moluscos e fazem o que podem para preservá-los, mas temem que sejam extintos antes que a ciência possa entender completamente todo o poder bioquímico e farmacológico escondido sob os segredos de seus venenos.
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