Castrati: a história dos garotos que foram castrados para cantarem mais fino

de Bruno Rizzato 0

A partir do ano de 1500, uma prática nada convencional começou a se popularizar entre líderes de igrejas católicas e regentes de corais. Tratava-se da castração com o intuito de criar um estilo vocal diferenciado em jovens cantores. 

Com o bloqueio do hormônio dihidrotestosterona (derivado da testosterona), que faz as cordas vocais masculinas crescerem até 63% e engrossar a tireoide, os jovens passavam a ter vozes femininas e mais doces. 

Geralmente recrutados aos 12, os garotos castrados eram conhecidos como “Castrati” (no singular em italiano, “castrato”); geralmente famílias e regiões pobres depositavam a esperança no talento dos garotos.

Em 1589, os Castrati foram cantar para o Papa na Capela Sistina, mostrando a popularização da prática à época.

Martha Feldman escreveu um livro sobre os cantores Castrati e, segundo ela, o procedimento realmente fazia a diferença para os rapazes.

“Existiam alto-sopranos, meio-sopranos, e altos, vozes estridentes e doces, vozes altas e maduras, gargantas mais e menos flexíveis, homens muito altos e muito baixos”, conta em um trecho do livro.

Eles cantavam em igrejas, tribunais, pontos turísticos, e alguns aposentados davam aulas de música e faziam composições. Alguns eram cantores de baixa renda que passaram sua vida fazendo shows em cidades pequenas, e outros construíram suas carreiras cantando para ministros em cortes reais. Tudo isso a partir de uma única cirurgia.

Alessandro Moreschi

A operação

Oficialmente a lei da Igreja proibia a amputação de qualquer órgão, exceto para salvar vidas. Como a prática era ilegal, não há muitos registros detalhados sobre a operação e os cirurgiões permaneceram desconhecidos.

Alguns garotos foram enganados pelos pais, que alegavam casos de saúde para a cirurgia. Cirurgiões tentavam usar alguma anestesia, mas elas eram perigosas e quase sempre falhavam. 

Os médicos, davam uma certa quantidade de ópio para o paciente na castração, realizando a operação enquanto eles estavam dopados, mas observou-se que a maioria daqueles que tinham sido operados desta maneira, morriam por complicações das drogas usadas como anestésico. 

Na maioria das vezes, os meninos recebiam um banho quente, em seguida, sua artéria carótida era comprimida até que eles praticamente entrassem em coma.

Outra versão do procedimento começaria com um banho frio, ou até mesmo um banho de leite, para entorpecer a área. O procedimento não envolvia a amputação.

Os médicos simplesmente abriam o escroto e cortavam os cordões espermáticos, os canais deferentes e as suas artérias circundantes. Sem o suporte do resto do tecido, os testículos atrofiavam e ficavam minúsculos. 

Os efeitos da castração

Os efeitos dependiam de algumas condições: como a idade da criança, a competência do cirurgião e as peculiaridades do corpo humano.

O filme Farinelli, que retrata um dos mais famosos Castrati, mostra um cantor homônimo muito alto e magro, o que é parcialmente verdade. A maioria dos cantores ganhava protuberâncias em torno do rosto, peito e coxas.

Outras características típicas de um Castrati eram a total falta de barba e a resistência à calvície. A altura de Farinelli era, para muitas pessoas modernas, um efeito contraditório da castração.

Meninos poderiam ter um surto de crescimento durante a puberdade, mas a falta de hormônios faria os Castrati serem menores do que os homens médios.

O efeito mais comum da castração era a estatura: as crianças têm placas epifisárias — “placas de crescimento” — em cada extremidade dos ossos e, durante a puberdade, elas são substituídas por tecido normal. Já as placas de crescimento de um Castrati nunca “fechavam”, ou seja, podiam continuar crescendo.

A castração também foi associada com maior crescimento do peito (ginecomastia), da mandíbula e até do nariz. A voz de um menino bem treinado para cantar era apoiada pelo peito e pelos pulmões, pois a “câmara de ressonância” era maior do que a média, dando aos melhores cantores não apenas uma voz de alta potência, como também sustentação.

Os inconvenientes da castração foram sentidos na fase posterior da vida. Os grandes ossos deixaram muitos Castrati com osteoporose e um corpo maior do que a média, comprimindo seus órgãos.

O Castrati Farinelli era o mais famoso. Ele viveu em 1700 e em 2006 um grupo de pesquisa exumou seus restos mortais e os examinou.

O que eles encontraram foi uma acumulação de osso ao longo da testa, o que indica uma condição chamada Hiperostose Frontal Interna – mais comum em mulheres do que em homens, mas a ciência não conhece bem suas causas.

De acordo com alguns profissionais médicos, a condição afeta 12% da população e é quase sempre benigna. Apenas em 1% pode causar dores de cabeça terríveis, depressão e outros problemas mentais.

O fim dos Castrati

A prática começou a perder sua popularidade no final dos anos 1700, mas teve uma queda muito lenta. Eles ainda cantavam em igrejas, mas em 1800 já não eram mais solicitados e começaram a ser julgados, não sendo bem-vindos em óperas e clubes populares.

O último cantor Castrati da Capela Sistina foi Alessandro Moreschi, que se aposentou em 1913. Em seu auge, ele era conhecido como o “Anjo de Roma”.

Algumas gravações dele cantando em 1902 ainda podem ser encontradas em arquivos raros. Abaixo, uma gravação original do cantor.

Fonte(s): IO9 Imagens: Divulgação

Jornal Ciência