Harlem Hellfighters: conheça os heróis afro-americanos esquecidos da Primeira Guerra Mundial

de Merelyn Cerqueira 0

Descritos pelos franceses como “Homens de Bronze”, os soldados do 369º Regimento de Infantaria do Exército dos EUA, eram mais conhecidos como Harlem Hellfighters.

Esta é uma descrição apropriada para uma das primeiras unidades de exército dos EUA, que, apesar da baixa expectativa dos mais céticos, lutou valentemente ao lado dos Aliados nas linhas de frente da Primeira Guerra Mundial.  

Embora tenham tido sucesso como uma das unidades mais condecoradas da guerra, esses soldados foram rapidamente obscurecidos pelo violento racismo norte-americano dos anos 20. 

No entanto, antes que Hellfighters fossem condenados a viver como cidadãos de segunda classe, por um breve momento, tiveram dias de glória em Nova York, mais especificamente em fevereiro de 1919. 

Ao superarem o estigma que enfrentavam no país, e ainda conseguirem sobreviver 191 dias de fogo inimigo no exterior, parecia que os Hellfighters haviam mudado o mundo. 

Quando o presidente Woodrow Wilson – que não era exatamente conhecido por sua tolerância racial – declarou que os EUA se juntariam aos Aliados na luta contra as Potências Centrais, o país deu uma guinada positiva em relação à questão racial. 

Os negros norte-americanos então, foram divididos em grupos para os quais poderiam mais se ajustar. No total, 2,3 milhões deles se inscreveram para o serviço. Contudo, eles foram rejeitados pelos fuzileiros navais, enquanto que a Marinha selecionou apenas alguns desses homens.

Os remanescentes foram então enviados ao exército.  Cerca de 200 mil desses homens foram enviados ao exterior, onde sofreram segregação dentro de suas próprias unidades.

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A maioria deles foi obrigada a realizar trabalhos manuais complexos em campos militares, e sequer foram considerados combatentes. Apenas 11% dos soldados negros foram colocados em ação – e os Harlem Hellfighters estavam dentro dessa pequena porção. 

Quando chegaram ao exterior, os Hellfighters foram designados ao comando do Exército Francês. No entanto, e ao contrário dos norte-americanos, os franceses de fato respeitavam esses homens e sua capacidade de lutar.

Esses soldados acabaram por contribuir significativamente para os esforços de guerra, repelindo com êxito a ofensiva alemã. Mas, dois soldados em particular, o cabo Henry Johnson e o soldado Needham Roberts, conseguiram se destacar entre o grupo. 

Eles defendiam um posto de vigia quando uma unidade alemã atacou. Feridos, e com um número limitado de armas, eles ainda foram capazes de combatê-los – até mesmo quando a luta tinha sido direcionada ao embate físico.  Então, e mesmo severamente ferido, quando Johnson viu seu companheiro sendo arrastado pelos alemães, conseguiu resgatá-lo utilizando apenas uma faca de bolo. 

Roberts e Johnson foram os primeiros norte-americanos a serem condecorados pelos franceses pelo serviço prestado, recebendo as prestigiadas medalhas “Croix de Guerre” (Cruz Militar). Diferente disso, os EUA só premiaram os soldados com a condecoração “Purple Heart” (Coração Púrpura), 77 anos depois, quando ambos já estavam mortos.  

Quando os Harlem Hellfighters partiram da Guerra em 1917, não foram convidados pela Guarda Nacional de NY – ironicamente conhecida como a “Divisão Arco-íris” – a participar dos desfiles e paradas de despedida aos soldados. À época, o coronel William Hayward, considerava que a cor preta não era parte do arco-íris. 

No entanto, quando retornou da Guerra com sua tropa, que agora era famosa, o coronel fez questão de exibir seus homens e garantir que eles recebessem as boas-vindas que mereciam. Para isso, centenas de milhares de pessoas foram às ruas de NY para receber os soldados com moedas, cigarros, flores e chocolate.  

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Toda a procissão foi liderada pela banda de jazz do regimento e as autoridades da cidade organizaram um jantar especial para as tropas no final do desfile. Henry Johnson desfilava sentado em um carro conversível segurando um buquê de lírios, enquanto cerca de 3.000 homens passavam entre o mar de rostos brancos e pretos que tomavam as ruas de Manhattan.  Neste ponto, o país inteiro chamava a tropa de heróis de guerra, e até mesmo Theodore Roosevelt classificou-os como os “cinco norte-americanos mais corajosos”.  

No entanto, passada a euforia do pós-guerra, os Harlem Hellfighters encontraram uma nova batalha. Motins se espalhavam por todo o país, enquanto centenas de negros foram brutalmente assassinados em um evento sangrento conhecido como “Verão Vermelho”, de 1919.  Johnson, que logo foi esquecido como herói de guerra, foi condenado à pobreza e caiu no alcoolismo. Abandonado pela família, ele morreu aos 32 anos, pouco mais de 10 anos depois de ter vencido sozinho um grupo de soldados alemães. 

“Seria uma boa história se eu pudesse dizer que nosso desfile ou mesmo nossas vitórias mudaram o mundo da noite para o dia, mas a verdade há uma maneira muito feia de matar histórias agradáveis”, disse um personagem de um romance gráfico de 2014 que falava sobre o regimento. 

Somente em 1996, o então presidente Bill Clinton, finalmente concedeu a Johnson e Roberts a condecoração militar Purple Heart.

Melhor do que isso, em 2015, o presidente Barack Obama, ofereceu em memória a Henry Johnson, em nome de todo o Congresso e das Forças Armadas dos EUA, a maior honraria que um militar norte-americano pode conseguir: a Medalha de Honra.

Fonte: Ati Fotos: Reprodução / Ati

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