Novas diretrizes sobre o Roacutan, polêmico medicamento contra acne acusado de estar ligado a casos de suicídios e distúrbios sexuais

Os médicos do Reino Unido estão sendo orientados a conversar claramente com os pacientes sobre os possíveis “efeitos colaterais brutais à saúde mental” que o medicamento pode provocar, de acordo com o jornal Daily Mail

de Redação Jornal Ciência 0

O Roacutan, chamado no Reino Unido de Roaccutane (princípio ativo Isotretinoína), considerado um controverso medicamento contra a acne em diferentes níveis de gravidade, volta à cena sob a mira dos órgãos de saúde, informou o jornal britânico Daily Mail.

Segundo a publicação, agora os médicos do NHS são instruídos a revelar abertamente, para todos os pacientes, os possíveis e terríveis efeitos adversos à saúde mental e sexual que podem ocorrer com quem tomar o medicamento, mesmo após parar de usá-lo.

As regras vão muito além disso: 2 médicos terão que assinar para prescrever o Roacutan a pacientes menores de 18 anos, de acordo com as novas regras impostas pelo NHS — órgão britânico de saúde parecido com o SUS.

O jornal ainda cita que o medicamento na Grã-Bretanha pode ser indicado para adolescentes a partir dos 12 anos, mas que estaria ligado a 82 casos de suicídios — embora não exista uma confirmação científica que prove esta ligação, o que só aumenta a polêmica.

As novas regras também exigem que pacientes que tomem o medicamento informem aos seus amigos e familiares que estão sob tratamento, para que sejam observados durante este período, em busca de mudanças que possam indicar prejuízos à saúde mental.

Por que está mais rígido?

Isso acontece após a grande repercussão sobre a morte da jovem Annabel Wright, que tinha apenas 15 anos quando se suicidou em maio de 2019 — apesar das análises realizadas por médicos legistas atestarem não ter conexão com o medicamento, seus pais atribuem completamente a culpa do suicídio ao Roacutan.

Eles iniciaram uma campanha para proibir que o medicamento fosse prescrito para menores de 21 anos. A Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA) — a agência reguladora de medicamentos do Reino Unido — prometeu fazer uma revisão científica sobre a Isotretinoína.

Mas, após 3 anos de investigação, a Commission on Human Medicines concluiu que os benefícios são extremamente eficazes sobre o uso do medicamento, o que supera os possíveis riscos, disse o jornal The Telegraph.

Ainda segundo o Daily Mail, o uso do Roacutan (Isotretinoína) está relacionado com possíveis distúrbios de ereção e secura vaginal, mesmo após algumas pessoas pararem de tomar o medicamento. Isso é preocupante e pouco comentado nos consultórios aos pacientes.

Antes de iniciar o tratamento, os pacientes devem ter sua saúde mental e função sexual avaliadas, de acordo com as novas diretrizes. Após isso, devem ser observados atentamente sobre possíveis sinais de declínio nestes parâmetros, mesmo após terminarem o uso.

Informações atualizadas sobre os perigos de problemas psiquiátricos e sexuais também serão adicionadas às bulas do Roaccutane, incluindo diminuição da libido, secura vaginal, dificuldade em chegar ao orgasmo, disfunção sexual persistente mesmo após a interrupção do uso e riscos de distúrbios psiquiátricos.

Além disso, foi sugerido pelos especialistas em saúde que um novo formulário de riscos seja entregue aos pacientes, para que assinem e demonstrem entender completamente os possíveis riscos do uso do medicamento.

Devido às preocupações com a saúde mental, pais e pacientes que já tomaram o medicamento pediram a proibição total de prescrevê-lo para jovens com menos de 18 anos. Mas, a revisão científica “não encontrou evidências suficientes de um risco maior de efeitos adversos em jovens em comparação com outras faixas etárias”.

Efeitos da acne grave em pacientes jovens

Alguns especialistas rebatem que proibir o medicamento a adolescentes, com acne grave, poderia ter efeitos negativos de longo prazo sobre a saúde mental destes jovens que já possuem baixa autoestima pelo estigma da acne.

“Atrasar o tratamento para acne grave em pacientes mais jovens pode aumentar a possibilidade de cicatrizes de longo prazo, o que pode causar danos psicológicos significativos”, escreveram os revisores da Commission on Human MedicinesComo resultado, foi decidido que os dados não eram fortes o suficiente para justificar a proibição do uso da isotretinoína em pacientes abaixo dos 18 anos.

O medicamento, prescrito no Reino Unido desde a década de 1980, consegue diminuir o funcionamento das glândulas produtoras de sebo, próximas à superfície da pele, reduzindo a acne, a oleosidade e as chances de desenvolver cicatrizes profundas.

Para descobrir os possíveis efeitos colaterais do uso do Roacutan, especificamente em pacientes muito jovens, os pesquisadores sugeriram a realização de um novo estudo científico.

A Comissão chegou à conclusão de que, de modo geral, as vantagens da Isotretinoína para tratar a acne grave continuam a superar os riscos. A Dra. Alison Cave, diretora de segurança da MHRA, continuou: “Nenhum medicamento é totalmente isento de riscos”.

Isotretinoína X Suicídios

Somente na Inglaterra, médicos emitiram quase 53.000 prescrições de isotretinoína em 2022, de acordo com dados do NHS. Desde 1983, foram contabilizados 82 suicídios entre usuários de Isotretinoína, documentados pelo Yellow Card, que reúne relatórios voluntários sobre suspeitas de reações adversas a medicamentos de pacientes do Reino Unido.

Outras 62 tentativas de suicídio, 7 ocorrências de comportamento suicida, 153 ocorrências de ideação suicida e 22 ocorrências de automutilação foram relatadas entre os pacientes do medicamento.

Além disso, 133 relataram ter sofrido disfunção sexual. Alguns especialistas acreditam que, a impotência em homens jovens, seria a principal causa de aumento no risco de suicídios, já que pacientes adolescentes estão construindo a vida afetiva e as primeiras experiências.

Considerando a humilhação que jovens com problemas sexuais sentem em compartilhar este fato, acredita-se que as estimativas do sistema Yellow Card estão subestimadas. Isso porque poucos adolescentes teriam coragem de expor o problema publicamente ou até mesmo ao médico que prescreveu.

Os relatórios do Yellow Card, mesmo registrando formalmente os casos, não podem e não significam, necessariamente, que a droga Roacutan (Isotretinoína) foi a responsável pelos efeitos apresentados nos pacientes. O próprio Daily Mail cita que, apesar dos registros, as reações podem ser apenas “coincidências”.

Em 2018, o Daily Mail publicou o caso do jovem Ed Henthorn, à época com 19 anos, que queria se matar após experimentar efeitos colaterais de impotência sexual depois de ter usado o Roacutan.

Ed Henthorn enfrentou impotência sexual aos 19 anos, em 2018. Ele ainda sofre do problema, mesmo após anos de suspender o uso do medicamento. Foto: Reprodução / Daily Mail

O professor de psiquiatria, Dr. David Healy, da Universidade de Bangor, que estuda os impactos da Isotretinoína, disse: “A disfunção erétil é psicologicamente devastadora para os homens jovens e, sem dúvida, leva ao suicídio”.

Na mesma reportagem, uma mãe relatou que seu filho de 15 anos era feliz e praticava esportes, mas ficou seriamente deprimido e desenvolveu impotência sexual depois de tomar o medicamento durante 8 meses. Mesmo após muito tempo, já com 22 anos, permanecia com problemas sexuais, fadiga crônica, ansiedade e ela temia que o filho pudesse se matar.

A família da jovem rebate as mudanças

Segundo entrevista à BBC, a família de Annabel Wright, que se matou aos 15 anos, diz que as medidas acima expostas, propostas pelos órgãos reguladores do governo, não evitarão mais mortes. Apesar de médicos legistas à época atestarem que o suicídio não tinha conexão com o Roacutan, a família rebate dizendo que outros jovens, que faziam tratamento, também se mataram ou apresentaram sintomas psicóticos.

Annabel Wright cometeu suicídio aos 19 anos. A família acredita que o Roacutan foi o culpado. O caso gerou as mudanças atuais de prescrição da Isotretinoína no Reino Unido. Foto: Divulgação

A mãe da jovem afirma à BBC, durante entrevista, que após a morte da filha, teve contato com inúmeras pessoas que descreveram sintomas psiquiátricos. “Uma garota disse que após estar tomando o medicamento há algum tempo, repentinamente, foi tomada por uma “onda de pensamentos suicidas”, disse ela.

A grande questão é a existência de lacunas entre a falta de evidências científicas disponíveis sobre os casos e a ligação direta com o medicamento, afirmaram especialistas à BBC.

Os processos e problemas nos EUA

Nos EUA, a fabricante Roche possuía o mesmo medicamento com nome Accutane (Isotretinoína). A empresa ganhou na justiça norte-americana uma série de apelações contra os efeitos colaterais que estariam ligados ao seu medicamento.

Em 2016, a Roche anulou decisão do júri de Nova Jersey de US$ 18 milhões. Meses antes, havia revertido um veredicto de US$ 25 milhões e, em 2014, reverteu outro veredicto de US$ 2,1 milhões. Em 2010, anulou um veredicto de US$ 10,5 milhões. Estes são apenas alguns dos 3.000 processos, no condado de Nova Jersey, que alegavam que o medicamento, mesmo tendo sido retirado do mercado em 2009, teria deixado como consequências doenças intestinais inflamatórias.

Um caso marcante ocorreu em 2002, onde a família de um adolescente da Flórida, que jogou um avião contra um prédio, abriu processo contra a Roche pedindo indenização de US$ 70 milhões por sua morte. A família acreditava que Charlie J. Bishop, que tomava o Accutane, foi vítima de seus efeitos colaterais à saúde mental.

Charlie J. Bishop. Foto: Reprodução / 9News

Mas, a empresa Roche sempre negou qualquer ligação com os casos, afirmando que não havia provas de que a droga causava traumas psicológicos. “É nossa conclusão, junto com os especialistas externos e o FDA, que não há base científica que ligue Accutane com depressão ou suicídio”, disse a porta-voz Carolyn Glynn à Reuters em 2002.

A Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana que regula alimentos e remédios, recebeu 37 registros de suicídios — 24 de pacientes que estavam tomando a droga e 13 casos de pessoas que já tinham encerrado o tratamento.

De acordo com o portal de notícias da 9News, da Austrália, depois de perder milhões de dólares em ações de ex-usuários do Accutane por doenças inflamatórias, a Roche retirou o medicamento do mercado em 2009 e a droga está disponível agora nos EUA apenas em suas formas de genéricos. A Roche à época alegou “razões comerciais” para a retirada do mercado.

A polêmica entre Roacutan e suicídio é antiga

Em 2002 a agência de notícias Reuters informou que um Grupo de Ação Internacional contra o Roacutan, formado por 2.000 pessoas, pediu aos órgãos de saúde do Reino Unido que proibissem o medicamento porque estaria associado a suicídios em pacientes.

Liam Grant, cujo filho se matou enquanto usava o medicamento Roacutan, disse à Agência de Controle de Remédios (MCA) que a droga é perigosa e aumenta o risco de depressão.

Ainda em 2002, No Reino Unido, 15 pessoas que tomavam o produto, fabricado pelo laboratório Roche, cometeram suicídio e outras 10 tentaram se matar, segundo estatísticas da própria MCA.

O grupo afirmava à MCA que estudos científicos mostrariam exatamente quais os efeitos da droga no sistema nervoso central. Mas, segundo Liam Grant, o laboratório suíço se recusava a conduzir os experimentos. Segundo ele, à época existiam 41 estudos publicados ligando o uso do Roacutan à depressão e ao suicídio.

Anos depois, segundo a agência Reuters, um estudo de cientistas canadenses publicado no Journal of Clinical Psychiatry, em 2008 sugeriu que a isotretinoína pode dobrar o risco de desenvolver depressão.

Estudos mais recentes

Em 2005, uma pesquisa do The American Journal of Psychiatry, mostrou que pacientes que usavam Isotretinoína, tinham diminuição do metabolismo cerebral no córtex orbitofrontal, uma área do cérebro conhecida por mediar sintomas de depressão. Este estudo sugere que o tratamento com isotretinoína está associado a alterações no funcionamento cerebral.

Outro estudo publicado na revista JAMA Dermatology, com as últimas atualizações ocorridas em julho de 2019, mostra que o uso da Isotretinoína gerou efeitos adversos psiquiátricos em pacientes norte-americanos que usaram o medicamento.

Foram 18.000 casos de instabilidade emocional, depressão e ansiedade, relatados por médicos ao FDA, entre os anos de 1997 e 2017. Mas, os achados clínicos dizem que a taxa de suicídio entre pacientes que usavam a Isotretinoína era menor do que a taxa geral entre a população dos EUA.

Isso gerou diversos debates e especulações sobre as verdadeiras causas dos suicídios relatados, colocando em dúvida se o medicamento tem conexão. O estudo afirma não poder estabelecer uma ligação de causa e efeito definitiva sobre sintomas psiquiátricos em pacientes que usam a isotretinoína.

O que diz a empresa?

Sobre as recomendações e normas atuais do NHS, no Reino Unido, a empresa emitiu nota informando que já tomou todas as medidas para implementar as recomendações das novas revisões.

“Milhões de pacientes em todo o mundo tomaram Roacutan, mas como todos os medicamentos, pode ter efeitos colaterais. Este relatório apoia nossa recomendação de longa data de que seja prescrito com muito cuidado, que os pacientes sejam totalmente informados sobre o que esperar quando o tomarem e que sejam monitorados de perto para garantir que recebam os cuidados contínuos de que precisam”, disse a Roche à BBC.

Fonte(s): Daily Mail / The Telegraph / Fierce Pharma / Daily Mail / BBC / Folha de SP / Info Money / Reuters / BBC / 9 News / The American Journal of Psychiatry Imagem de Capa: Reprodução / Women’s Health Foto(s): Reprodução / 9News e Daily Mail

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