Neurologista diz que transexuais não devem fazer cirurgia de mudança de sexo

Segundo ele, a Disforia de Gênero não é causada pelas estruturas cerebrais e sugere uma nova abordagem

de Otto Valverde 0

Um neurologista da Universidade de Michigan, nos EUA, causou polêmica ao fazer afirmações sobre a Disforia de Gênero – uma condição caracterizada por desconforto persistente das características sexuais do gênero atribuído ao indivíduo ao nascer. Segundo o médico neurologista Dr. Stephen Gliske, a Disforia de Gênero é desencadeada pelo estresse infantil.

Ele afirma que a condição que afeta transexuais é causada por mudanças na atividade cerebral que ocorrem durante a vida. Em sua teoria, não há necessidade de cirurgia para mudança de sexo (ou cirurgia de redesignação sexual) para “resolver” a questão.

Apesar de ter afirmado que um transexual poderia ser abordado de uma nova forma clínica, ele não indicou qual seria esta forma, apesar de ter publicado sua pesquisa na revista científica de neurologia eNeuro.

O Dr. Gliske foi altamente criticado por outros médicos e psicólogos por classificar a questão como “problema”, sugerindo indiretamente que a Disforia de Gênero é uma doença que poderia ser “consertada”.

O Dr. Gliske comentou que o atual entendimento da Disforia de Gênero é “impreciso” e não seria suficiente para ser usado como justificativa para a cirurgia de mudança de sexo. Ele publicou seu artigo científico fazendo uma revisão em diversos estudos anteriores sobre a disforia.

A teoria

Segundo ele, o grande erro dos cientistas nos últimos anos foi procurar variações em áreas do cérebro para explicar qual o motivo que leva alguém sentir que nasceu com o “gênero oposto”.

A ciência já sabe que o Núcleo Leito da Estria Terminal, no cérebro, apresenta tamanho médio menor em transgêneros que nasceram homens, mas se identificam como sendo mulheres. Isso significa que esta área do cérebro é, de fato, de tamanho semelhante ao de mulheres e não de homens, o que explicaria a Disforia de Gênero. Mas, para o Dr. Gliske, estes estudos não sustentam a teoria de que disforia é causada por diferenças nas formas físicas do cérebro.

Minha teoria propõe que a Disforia de Gênero não é causada apenas por alterações na anatomia do cérebro, mas inclui atividades dinâmicas nas funções e interação das estruturas”, disse.

Ele sustenta que hormônios sexuais na puberdade ou no envelhecimento, pode ocasionar mudanças nas conexões das estruturas cerebrais citadas. A pesquisa afirma que a disforia é ocasionada quando a pessoa é exposta a elementos da vida que “influenciam seu senso de gênero”.

Isso incluiria a cultura em que uma pessoa vive, o feedback que recebe ao crescer, interações com outras pessoas, níveis de angústia e a própria percepção do corpo.

Estatística de casos clínicos

Para ele, uma criança que nasceu com predisposição à Disforia de Gênero pode desenvolvê-la se tiver uma vida estressante ou traumatizante. Os dados mostram que a condição desaparece em até 80% das crianças que apresentavam estas características antes da puberdade, segundo seu estudo.

Para ele, os médicos deveriam concentrar esforços para tratar os sintomas mentais ou emocionais que o paciente possa apresentar e não em fazer uma cirurgia irreversível.

O tratamento baseado na nossa nova teoria poderia restaurar o senso de propriedade sobre partes do corpo”, disse.

O filme A Garota Dinamarquesa mostra um caso de Disforia de Gênero, sendo considerado um dos primeiros registros na história de cirurgia de redesignação sexual. Foto: Reprodução

Críticas ao estudo

“O que seria este novo tratamento não foi especificado e, portanto, as recomendações do Dr. Gliske devem ser tomadas com cautela”, disse a professora Catherina Becker, especialista em cérebro da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

Existe a teoria de que a Disforia de Gênero está associada à diferença no tamanho das estruturas cerebrais, de acordo com experimentos científicos feitos em 1990″, comentou Derek Hill, professor da University College London.

Ainda para o professor, o trabalho do Dr. Gliske não oferece explicações consistentes e, para ele, “a própria teoria do neurologista deve ser considerada uma especulação”. Outros cientistas acreditam que o Dr. Gliske entra em contradição com a própria história da medicina e dos mecanismos de diagnóstico ao não acreditar na hipótese mais aceita.

Rebatendo as críticas

Sobre as críticas, o Dr. Gliske se antecipou e tentou explicar melhor sua visão, deixando claro não ter preconceito com a questão, mas entende ser um assunto extremamente delicado. Ele prossegue e cita os problemas com a sua teoria neurológica:

1 – É problemático, pois trata a Disforia de Gênero como uma patologia a ser corrigida.

2 – É problemático, pois faz com que a disforia seja sinônimo de ser trans, quando na verdade nem todas as pessoas prosseguem acreditando estar no gênero errado.

3 – É problemático porque trata a diversidade de gênero como se fosse um problema, mas é uma nova abordagem em relação às pessoas trans.

O que é Disforia de Gênero?

É uma condição angustiante onde uma pessoa não sente que seu sexo biológico corresponde ao gênero que se identifica. Por exemplo, alguém pode se sentir mulher e necessitar viver como uma mulher, mesmo tendo nascido com a anatomia masculina.

Bandeira do orgulho trans. Foto: Reprodução

É uma condição médica reconhecida onde um suposto “tratamento” é inapropriado, não sendo considerada uma doença mental. Quem nasce com disforia é chamado transgênero. Segundo estimativas, até 1% da população pode ser trans – embora o número é considerado impreciso.

Como funciona no SUS?

Atualmente, a nomenclatura mais aceita é cirurgia de redesignação sexual ou transgenitalização. No Brasil, a cirurgia é feita gratuitamente pelo SUS e, segundo o Ministério da Saúde, os únicos hospitais no país que podem fazer o procedimento são o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, HC da Universidade Federal de Goiás, HC da Universidade Federal de Pernambuco, HC da Universidade de São Paulo e Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro.

Um paciente pode levar anos na fila de espera devido à complexidade do processo clínico que pode levar até 3 anos de acompanhamento semanal com psicólogos e psiquiatras, que podem ao final encaminhar através de relatório médico, ou não, a indicação da cirurgia. Estima-se que apenas no ano passado, mais de 3.440 cirurgias de redesignação sexual foram realizadas no Brasil.

Fontes: Daily Mail Foto de Capa: Reprodução / Psicoativo

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