Estivemos errados por quase 90 anos sobre a origem da vida, sugere estudo

de Merelyn Cerqueira 0

Por quase 90 anos, a explicação favorita da Ciência para a origem da vida na Terra era a hipótese da “sopa primordial”. Tal ideia diz que a vida começou aqui a partir de reações químicas que ocorreram em uma lagoa quente na superfície do planeta, desencadeadas por uma fonte de energia externa, como descargas elétricas (relâmpagos) ou radiação ultravioleta (UV).

Contudo, pesquisas sugeriram uma ideia alternativa que vem ganhando cada vez mais respaldo na comunidade científica. Segundo os estudos, a vida teria surgido no fundo dos oceanos, dentro de estruturas quentes e rochosas chamadas de fontes hidrotermais, de acordo com o especialista Arunas L. Radzvilavicius, em um artigo para a The Conversation.  

Um estudo publicado na revista Nature Microbiology, cientistas sugeriram que o último ancestral comum de todas as células vivas era alimentado com gás hidrogênio em um ambiente rico em ferro quente. No entanto, os defensores da teoria convencional têm se mostrado céticos sobre essa nova concepção, que tem potencial para mudar nossa visão sobre as origens da vida.

A hipótese hidrotermal é muitas vezes descrita como “exótica e controversa”, mas ela explica como as células vivas desenvolveram a capacidade de obtenção de energia, de uma forma que não poderia ocorrer com a sopa primordial.

Segundo a teoria convencional, a vida teria começado quando os raios (UV ou de descargas elétricas) causaram a união de moléculas simples em compostos mais complexos. Isso culminou na criação de outras moléculas, agora de armazenamento, com informações semelhantes ao próprio DNA, e que foram alojadas dentro de bolhas de proteção das células primitivas. Logo, para muitos, a sopa primordial seria o ambiente mais plausível para a origem das primeiras células vivas.

Entretanto, a vida não é apenas a replicação de informações armazenadas em DNA. A reprodução dos seres vivos garantiu a sobrevivência das espécies. Além disso, replicar DNA e montar novas proteínas ou células a partir do zero requer enormes quantidades de energia. O núcleo da vida é baseado em mecanismos de obtenção dessa energia a partir do meio ambiente, armazenando e canalizando a energia em reações metabólicas essenciais para a vida das células.

Logo, descobrir de onde essa energia veio e como ela chegou até lá, pode nos dizer muito sobre os princípios universais que regem a teoria do surgimento e evolução da vida. Conforme aprendemos nas aulas de biologia, toda a vida na Terra é alimentada pela energia fornecida pelo Sol, que, no caso das plantas, é capturada e extraída através de compostos simples como o hidrogênio ou metano.

Esse processo funciona mais ou menos como uma barragem hidroelétrica. Ao invés de realizarem diretamente suas reações metabólicas essenciais, as células utilizam a energia para bombear prótons (átomos de hidrogênio carregados positivamente) em um reservatório de uma membrana biológica. Isso cria um “gradiente de concentração”: um lado possui maior concentração de prótons do que outro. Os prótons então fluem através de turbinas moleculares incorporadas à essas membranas – semelhante à água fluindo através de uma barragem. Isso gera compostos de alta energia que serão utilizados para prover todas as outras atividades da célula.

Os estudos, baseados em conjuntos de genes que provavelmente estiveram nas primeiras células vivas, rastrearam a origem da vida até as fontes hidrotermais de profundidade – estruturas geológicas porosas produzidas por reações químicas entre rochas e água. Segundo os pesquisadores, os fluídos alcalinos da crosta terrestre teriam fluído até o respiradouro, criando as diferenças de concentração de prótons naturais em todas as células vivas.

Os estudos também sugerem que nos primeiros estágios da evolução, as reações químicas em células primitivas foram provavelmente impulsionadas pelos gradientes de concentração não-biológicos. As células, então, aprenderam a produzir os seus próprios gradientes e escaparam dessa região para colonizar o resto dos oceanos e, finalmente, a terra.

Enquanto os defensores da sopa primordial argumentam que as descargas eletrostáticas ou radiação ultravioleta levaram às primeiras reações químicas, a vida moderna não é alimentada por qualquer uma dessas fontes “voláteis” de energia. Logo, as fontes hidrotermais de profundidade representam o único ambiente conhecido que poderia ter criado moléculas orgânicas complexas com o mesmo tipo de sistema de aproveitamento de energia das células modernas.

A origem da vida a partir da teoria da sopa primordial fazia sentido quando sabíamos pouco sobre os princípios gerais da vida. Mas, como nosso conhecimento foi expandido, podemos abraçar novas hipóteses, e essas teorias alternativas podem preencher a lacuna que temos em relação ao assunto.

Fonte: IFLS Foto: Reprodução

Jornal Ciência