Cientista explica por que bebês geneticamente editados são mais preocupantes do que você pensa

de Merelyn Cerqueira 0

Um cientista chinês, chamado He Jiankui, da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, recentemente alegou que havia ajudado a criar gêmeos geneticamente modificados. 

As crianças, que supostamente já foram entregues aos pais, nasceram com uma mutação que as tornou geneticamente resistentes ao HIV.

Questões éticas de lado, as intenções do cientista eram boas, afinal, ele queria apenas usar a ciência para ajudar pais soropositivos a darem à luz filhos saudáveis e sem possibilidade de contaminação.

Sendo assim, quem poderia argumentar contra? Será que tudo é tão simples quanto parece?

De acordo com John Evans, professor de Sociologia da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), uma vez que nos tornamos capazes de fazer isso com um gene, poderíamos um dia fazer com qualquer outro – incluindo aqueles ligados à realização educacional, inteligência, memória, raciocínio, altura, cor dos olhos, cor dos cabelos, etc.

Em um artigo para a The Conversation, ele afirmou que aqueles que elogiam a pesquisa chinesa não deram quaisquer mecanismos, regras ou regulamentos que permitam a edição de genes humanos apenas para fins beneficentes. “Como o velho provérbio diz: “O caminho para o inferno está cheio de boas intenções””.

Por mais de 20 anos concentrei minha pesquisa em debates sobre edição de genes humanos e outras biotecnologias, escreveu. “Observei esses debates, mas estou chocado com a recente velocidade dos desenvolvimentos”, comentou.

He Jiankui, afirmou ter alterado embriões para sete casais durante o tratamento de fertilidade na China.

Seu objetivo era desativar um gene que codifica uma proteína de entrada que permite que o vírus HIV entre em uma célula.

Uma mulher, em novembro, deu à luz meninas gêmeas não idênticas que, de acordo com o cientista chinês, seriam resistentes ao HIV.

Devido ao sigilo envolvido, John afirma que é difícil verificar a alegação de Jiankui. A pesquisa ainda não foi publicada em uma revista científica com credibilidade e os pais dos gêmeos se recusaram a falar com a mídia. Além disso, ninguém testou o DNA das crianças para confirmar as alegações.

Entretanto, o que é preocupante não é exatamente o resultado, mas o fato de que há cientistas tentando criar seres humanos aprimorados, de modo que tais traços possam ser geneticamente transmitidos.

Segundo Evans, criar uma espécie humana “aperfeiçoada” há muito tempo tem sido o sonho dos eugenistas. No passado, assumiu-se a ideia de traços superiores que eram encontrados em determinadas raças, etnias e classes sociais.

Tal lógica culminou no Holocausto, quando os nazistas concluíram que o homem ariano era superior a todos os outros.

Embora essa ideia original de eugenia tenha sido destruída, uma ideia de “reforma” surgiu na nos anos 50, mais uma vez propondo a existência de “traços superiores” em determinados grupos étnicos.

Quando descobriu-se que os genes humanos poderiam ser melhorados através da modificação química das células reprodutivas, novas tecnologias genéticas à época, mais especificamente entre os anos 60 e 70, permitiram uma “nova eugenia”.

Embora considerado virtuoso, o passo que as pessoas estavam dispostas a dar para corrigir problemas congênitos, como a anemia falciforme, por exemplo, revelou uma ladeira escorregadia.

Afinal, se era aceitável corrigir uma anemia de origem genética, por que não a surdez, ou uma doença cardíaca, ou a falta de inteligência?

Logo, no fundo dessa ladeira estava um mundo distópico, onde ninguém queria acabar. Isto é tipicamente descrito como uma sociedade baseada em controle genético, em que vidas e oportunidades são determinadas pelo pedigree de alguém “geneticamente editado”.

Os participantes desse debate ético sobre a edição de genes entraram nessa porque estavam confiantes de que poderiam bloquear qualquer possível crítica relacionada a mudanças somáticas ou adquiridas.

Para isso, criaram uma forte norma que vai contra a modificação do DNA em parede de linhagem germinativa, isto é, sem mudanças que influenciariam os descentes de uma pessoa modificada.

Logo, o experimento do cientista chinês viola essa norma, sendo, portanto, considerado o primeiro ato conhecido de edição genética da linha germinativa humana – absolutamente sem ética.

Basicamente, as gêmeas poderiam passar a resistência que ganharam contra o HIV para seus próprios filhos, criando, para todos os efeitos, seres humanos melhorados, mesmo que o aprimoramento tenha sido feito em nome ao combate a doenças infecciosas.

Estes “novos humanos” irão possuir uma vantagem desleal contra todos os seres humanos do planeta, já que possuirão uma defesa genética contra o HIV, coisa que apenas eles terão entre os seres humanos.

Segundo Evans, os que advogam a favor do trabalho do chinês, ainda não apontaram para uma garantia de que a aplicação, presumivelmente beneficente, não seria desviada.

Além disso, o que definimos como “doença” ainda é algo muito fluido. Por exemplo, enquanto quem ouve considera a surdez uma doença, uma pessoa que nasceu surda não pensa assim. Para esta pessoa, é normal não ouvir.

Além disso, o professor aponta que não podemos confiar na profissão médica para definir doenças, uma vez que alguns praticantes estão engajados em atividades que envolvem apenas um aprimoramento do corpo, como as cirurgias plásticas, por exemplo – fazendo uma dura crítica sobre o limite entre saúde, doença e modificações que não são necessárias para melhorar a saúde.

Assim, enquanto alguns cientistas defendem que bebês melhorados são justificáveis, eles ainda não deram à sociedade paredes ou barreiras que nos permitam caminhar com confiança nessa nova ladeira escorregadia e, talvez, uma descida sem volta.

Fonte: Science Alert / The Conversation Fotos: Reprodução / Science Alert

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