Físicos observam novo estado da matéria em um material inesperado

de Merelyn Cerqueira 0

Em abril de 2016, a comunidade física foi surpreendida quando cientistas anunciaram terem feito a primeira observação direta de um estado completamente novo de matéria – conhecido como líquido de spin – pela primeira vez.

Agora, uma nova equipe de físicos recentemente sugeriu ter observado o mesmo estado, mas desta vez em um material onde supostamente deveria ser impossível. Tal descoberta poderia mudar a compreensão atual que temos de como fazer computação quântica.

Segundo o pesquisador Christian Balz, do Helmholtz-Zentrum Berlin für Materialien und Energie (HZB), na Alemanha, ele e sua equipe provaram empiricamente que os estados quânticos de líquido de spin “podem ocorrer em cristais consideravelmente mais complexos com diferentes constelações de interações magnéticas”. Logo, de acordo com uma das pesquisadoras, Bella Lago, isso poderia ser importante para o avanço dos computadores quânticos no futuro “porque os líquidos de spin são um dos possíveis blocos de construção para levar a uma menor unidade de informação quântica, conhecido como um qubit”.

O conceito de spin (giro/rotação) no mundo quântico não significa um elétron que está fisicamente em giro, mas sim a um tipo de momento angular intrínseco que simplesmente descreve como esse elétron está se comportando. Na computação quântica, isso é simplificado ao dizer que um estado de spin baixo, alto ou em superposição (ambos ao mesmo tempo). Logo, o líquido de spin quântico é um estado da matéria que ocorre quando o spin de dois elétrons continua flutuando de maneira líquida, livremente, e em temperaturas muito baixas, mesmo quando deveriam estar congelados. A previsão dessa teoria foi feita em 1973, mas só foi observada pela primeira vez neste ano, em um material bidirecional semelhante ao grafeno.

O critério utilizado pelos cientistas é que um material deve ter interações antiferromagnéticas – ou antiparalelas –, que é o oposto das interações ferromagnéticas observadas em materiais como o ferro e o níquel. Assim, se há um elétron de spin baixo, o outro próximo a ele deverá ter um spin alto, e assim por diante. Diferente disso, os materiais antiferromagnéticos não necessariamente precisam entrar em estado de spin líquido a menos que eles tenham um arranjo atômico triangular, o que torna esse alinhamento impossível.

Imagem: Reprodução / HZB
Imagem: Reprodução / HZB

Você pode imaginar agora três átomos dispostos em cada ponta de um triângulo – eles nunca estarão em alinhamentos paralelos porque conforme um muda sua posição, o outro automaticamente mudará também. Logo, eles irão manter esse alinhamento em uma temperatura de zero absoluto e, portanto, um estado líquido de spin.

Contudo, o novo estudo sugere que esses critérios não estão tão corretos, porque conseguiram observar o mesmo estado da matéria em um material que não se encaixa nesse perfil: o monocristal de óxido de cromo cálcico (Ca10Cr7O28). Composto por treliças Kagome – nomeado assim em razão da semelhança com os padrões das treliças japonesas. Basicamente, isso significa que o material tem uma mistura complexa de interações antiferromagnéticas, mas também fortes interações ferromagnéticas que, de acordo com a teoria convencional, deve evitar o comportamento de spin líquido.

A equipe conseguiu provar que o estado mencionado estava de fato ocorrendo e em temperaturas extremamente baixas – cerca de -273 graus Celsius. Para explicar isso, eles sugeriram uma hipótese de que o material poderia se comportar como um líquido de spin sem acabar como nosso entendimento convencional do estado da matéria. Assim, a partir de simulações numéricas, eles mostraram que a razão para isso é a concorrência, ou seja, diferentes interações magnéticas em materiais que estão competindo uns com os outros, e mantendo os spins em movimento ao redor.

De acordo com Lake, “o trabalho expande nossa compreensão de materiais magnéticos, e também nos mostra que há potencialmente muito mais candidatos para líquidos de spin do que o esperado”.

Agora, a pesquisa, publicada na revista Nature Physics, precisará ser verificada por outros cientistas antes de ser capaz de afirmar com certeza que o estado de líquido de spin pode de fato ocorrer em diferentes tipos de materiais.

[ Science Alert ] [ Foto: Reprodução / Flickr ]

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