Tecnologia de guerra esquecida poderia alimentar a Terra em energia por milhões de anos

de Merelyn Cerqueira 0

A força vital de nossa civilização moderna é a energia. Ela nos dá o poder de realizar tarefas essenciais como purificar água, fabricar produtos, realizar procedimentos hospitalares e muito mais.

 

As fontes baratas e abundantes que temos hoje dificultam nossa visão sobre uma provável crise energética mundial. No entanto, e de acordo com um artigo publicado originalmente pela Business Insider, isso pode acontecer.

 

Considere que, o número atual de habitantes do planeta, de 7,36 bilhões, até 2040 estará em 9 bilhões, caracterizando um notório aumento de 22%. As nações que hoje estão em rápido desenvolvimento irão sobrecarregar o consumo global de energia em mais de duas vezes a taxa atual. Enquanto que os combustíveis fósseis poderiam saciar essa demanda de energia, eles apenas seriam uma solução temporária –na melhor das hipóteses. As reservas conhecidas podem secar dentro de um ou dois séculos.

 

Ainda, queimar todo esse combustível baseado em dióxido de carbono poderia acelerar as mudanças climáticas, que hoje já estão muito avançadas. Enquanto isso, as fontes de energia renováveis, como o vento e energia solar, embora sejam tidas como soluções, não podem ser consideradas “balas de prata”. Da mesma forma que a energia de fusão, também tida como promissora, ainda não provou funcionar, especialmente de forma comercial e competitiva.

 

Por outro lado, os reatores nucleares se encaixam nesse projeto. Considerados densos, confiáveis e limpos, eles, ao contrário das crenças populares, estão entre as fontes de energia mais seguras da Terra. Atualmente, fornecem cerca de 20% da energia dos EUA. Porém, na década de 2040, essa participação pode ser reduzida pela metade, uma vez que várias usinas já foram fechadas.

 

No entanto, a boa notícia é que uma solução comprovadamente eficaz pode estar à mão. Chamada de reator de sal fundido, a tecnologia criada durante a Guerra Fria renuncia ao combustível nuclear sólido por um líquido que pode “queimar” com uma eficiência muito maior do que qualquer tecnologia energética existente. Esse tipo de tecnologia também gera muito menos resíduos radioativos do que os reatores comerciais, que dependem de combustível sólido. Ainda, teoricamente, os reatores de sal fundido nunca poderiam derreter.

 

É confiável, limpo e basicamente faz tudo que os combustíveis fósseis hoje podem fazer”, disse Kirk Sorensen, diretor de Tecnologia da Energia Nuclear da Flibe Energy, à Business Insider. “E o faz sem emitir dióxido de carbono”. A alimentação de um reator de sal fundido é feita por um resíduo radioativo chamado tório, que é de três a quatro vezes mais abundante na Terra do que o urânio, podendo produzir tanto combustível nuclear quanto este.

 

Em 1959, Alvin Weinberg, cientista do projeto Manhattan, calculou que, se pudéssemos de alguma forma colher todo o tório da crosta terrestre e usá-lo, poderíamos prover energia por dezenas de bilhões de anos. A tecnologia é viável, e a Ciência já demonstrou isso”, disse Hans Gougar, engenheiro nuclear da INL. Durante os anos 50 e 60, cientistas do governo já haviam construído dois protótipos.

 

Embora o tório não fosse bom para produzir armas nucleares, os burocratas conseguiram aproveitá-lo em uma tecnologia energética revolucionária. Agora, empreendedores como Sorensen estão tentando reviver e modernizar esse método, bem como governos da Índia e China.

 

Por que optar pela energia nuclear?

O urânio hoje consegue fornecer cerca de 16.000 vezes mais energia do que o carvão, bem como milhões de vezes menos poluição. Este argumento para que as pessoas apoiem o crescimento da energia nuclear é tão claro para James Hansen, um climatologista experiente e franco ambientalista, que ele a advoga pelo uso e desenvolvimento da tecnologia.

 

Para resolver os problemas climáticos, a política deve se basear em fatos e não preconceitos”, disse. “O sistema climático se preocupa com as emissões de gases de efeito estufa – não sobre se a energia vem de métodos renováveis ou nuclear abundante”.

 

A energia nuclear pode alimentar civilizações inteiras e produzir fluxos de resíduos que são triviais em comparação com os resíduos produzidos pela queima de combustíveis fósseis”, escreveram os notórios cientistas Ken Caldeira, Kerry Emanuel e Tom Wigley em um editorial para o The Guardian em 2015. “A energia nuclear fará a diferença entre o mundo que não tem metas climáticas cruciais ou que as atinge”.

 

Além da questão climática, os cientistas utilizaram o argumento econômico que, segundo eles, é suficiente para fazer com que a tecnologia valha a pena. Embora as hidrelétricas e usinas eólicas ainda sejam consideradas mais baratas, os especialistas afirmaram que se levarmos em conta os subsídios do governo, incentivos fiscais, custos de capital, custos de combustível e outros fatores que afetam o preço por megawatt-hora de uma usina nuclear, ela, a longo prazo, seria uma “vitória financeira”.

 

A “Era do Tório”?

Em 1954, o físico Alvin Weinberg, então diretor do Oak Ridge National Laboratory (ORNL), como parte do programa de Propulsão Nuclear de Aeronaves (ANP) construiu o primeiro conceito de Reator de Aeronave Experimental (ARE). Tratava-se de uma usina de 2,5 megawatts que funcionava com uma pequena quantidade de urânio-235 dissolvido em sal fundido feito de flúor, sódio e zircônio.

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Basicamente, quando dissolvido em sal fundido, o combustível U-235 alimentou com sucesso uma reação em cadeira de fissão nuclear. O calor atômico aqueceu um ciclo adjacente de refrigeração de 166°C para 650°C a 815°C. O ar então arrefeceu o sódio fundido e as bombas retornaram ao núcleo do reator para reaquecimento.

 

A Força Aérea ficou encantada com a experiência do reator de aeronaves”, escreveu Weinberg em sua autobiografia publicada em 1994, “The First Nuclear Era” (“A Primeira Era Nuclear”, em tradução livre), uma vez que ela era suficientemente quente para conduzir turbinas de motores a jato. Weinberg e seus colegas projetaram o modelo durante cinco anos, como um protótipo para uma futura usina comercial. Ele continha um circuito preenchido com sal fundido feito de flúor, lítio e berílio.

 

Em uma nova versão do modelo, criada anos depois, o cientista usou o tório dissolvido, transformando o elemento em U-233. Os sistemas então filtravam esse novo combustível e alimentavam o núcleo sem a necessidade de desligar o reator. Ele também vislumbrou um mundo cheio de reatores de sal fundido de tório como fontes de energia baratas e limpas. E não só nos EUA, mas em todos países, especialmente os em desenvolvimento.

 

Alimentados pelo sonho de energia inesgotável e barata, as projeções de Weinberg se tornaram grandiosas. Os cientistas de Oak Ridge estudaram a construção de gigantescos complexos agroindustriais construídos em torno de reatores nucleares”, escreveu o jornalista e autor Richard Martin em seu livro de 2013 “Super Fuel”.

 

No entanto, segundo ele, um engenheiro naval chamado Milton Shaw pôs um fim na “Era do Tório” proposta por Weinberg. Ele liderou uma pesquisa da Comissão de Emergia Atômica em 1972, publicando um relatório que colocaria fim na ideia. O argumento usado pelo engenheiro era que “se não foi feito antes, então não era para ser e não deveríamos fazê-lo”.

 

Foi a primeira de muitas versões do que se tornaria um argumento familiar”, escreveu Martin acrescentando que um pensamento semelhante permaneceu no governo dos EUA. O raciocínio de Shaw era perfeitamente circular: a indústria privada não iria investir no projeto com um empreendimento comercial sem o apoio do governo”, continuou. “Enquanto que o governo, por sua vez não iria apoiá-lo porque a indústria privada não iria investir na ideia”.

 

Weinberg então foi retirado do projeto e forçado a se aposentar. Seus reatores nunca demonstraram o ciclo completo do tório como combustível, enquanto que a atenção do projeto foi colocada em outro: o desenvolvimento do primeiro submarino nuclear na Estação de Energia Atômica de Shippingport. Considerada a primeira a produzir energia nuclear em grande escala para uso de forma barata e segura e em reatores de água, décadas depois, a ideia foi explorada por Sorensen e outros empreendedores para tentar reviver o sonho de Weinberg.

 

Sorensen aprendeu pela primeira vez sobre os reatores de sal fundido em 2000, quando era engenheiro no Marshall Space Flight Centre da NASA. Sua tarefa na época era descobrir como impulsionar bases humanas em outros planetas. Ele então deixou a NASA para se juntar a uma empresa de energia nuclear, e, em seguida, seguiu sozinho o sonho do tório na Flibe Energy.

 

Segundo ele, as próximas décadas verão tecnologias de reatores cada vez mais seguras e eficientes atingirem o mercado, incluindo reatores de sal fundido. No entanto, especialistas veem barreiras no método que envolve o tório, argumentando que o sal fundido é perigoso para a saúde, uma vez que contém berílio, lítio, trítio e um vazamento poderia ser catastrófico.

 

Os sais podem ser muito prejudiciais às tubulações metálicas (pense no sal usado na estrada e no que faz com os corpos dos carros)” escreveu Dave Swank, um engenheiro nuclear aposentado em entrevista à Business Insider. “Outro desafio é o flúor, que é altamente tóxico”. Ainda, Gougar apontou que desenvolvedores como Sorensen “terão dificuldades em demonstrar que os núcleos derretidos podem permanecer contidos em segurança”.

 

No entanto, conforme observado anteriormente, ele acrescentou que a pressão do sistema de um reator de sal fundido é muito baixa, então, quando – e se – ocorrer um vazamento, a substância radioativa não irá pulverizar todo o lugar. Logo, engenharia, protocolos de segurança adequados e equipamentos de proteção para os funcionários da usina minimizariam esses riscos. Contudo, os especialistas consideram que ainda há um longo caminho a ser percorrido até a “Era do Tório”.

 

Estima-se que até 2050 possamos vem o primeiro reator comercial completo de sal fundido. Não sei quando exatamente construiremos uma usina de sal fundido economicamente viável que produza um combustível limpo e confiável pela queima de combustível nuclear”, disse Gougar. Já para Sorensen, o projeto é um sonho que certamente vale a pena ser alcançado. “Isso é algo que beneficiará tremendamente nosso futuro e levará a uma nova era de avanços humanos”, disse.

 

E se queremos isso, precisamos conversar com nossos representantes eleitos, mostrando que de fato temos a intenção de ver essas coisas acontecerem”, continuou. “Porque somente uma sociedade que decide abraçar esse tipo de tecnologia poderá finalmente perceber seus benefícios”.

[ Science Alert ] [ Fotos: Reprodução / Pixabay ] 

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