Estudos finalmente confirmam: há relação entre o Zika Vírus e a Microcefalia

de Rafael Fernandes 0

Zika Vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, mesmo transmissor da dengue e da febre chikungunya. Sua primeira aparição foi registrada em 1947, quando o vírus foi encontrado em macacos da Floresta Zika, na Uganda. Entretanto, somente em 1954 os primeiros seres humanos foram contaminados, na Nigéria. O vírus atingiu a Oceania em 2007 e a França no ano de 2013. O Brasil notificou os primeiros casos de Zika em 2015, no Rio Grande do Norte e na Bahia.

Os cientistas revelaram ontem, 11, que traços do vírus foram encontrados no cérebro de um feto abortado, reforçando a ligação entre o vírus e um grave defeito de nascença. A autópsia constatou que o feto sofria de microcefalia – tamanho menor do que o normal da cabeça, bem como lesão cerebral grave e níveis elevados do vírus no tecido cerebral.

O nível de vírus foi maior do que seria normalmente visto em amostras de sangue, de acordo com pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Ljubljana, Eslovênia. Os achados reforçam a associação biológica entre a infecção pelo Zika e a microcefalia, especialistas da Harvard observaram em um editorial que acompanha o estudo.

A grávida da Lituânia, foi infectada com o Zika na 13ª semana de gestação, enquanto trabalhava no nordeste do Brasil. Posteriormente, ela voltou para a Europa, já na 28ª semana de gravidez. Exames realizados uma semana mais tarde, revelaram que seu bebê tinha pequenas calcificações na cabeça e no cérebro, como visto em outros casos relacionados ao Zika. Verificou-se também que o feto tinha parado de se mover como deveria.

Após uma consultoria com especialistas, a mulher escolheu interromper a gravidez. Durante uma autópsia, observou-se que o cérebro do feto (um menino) era “manifestamente doente”.

Os pesquisadores disseram que a consulta genética, incluindo um histórico familiar detalhado, não revelou qualquer suspeita de síndromes congênitas ou doenças suscetíveis de desencadear microcefalia. Portanto, eles concluíram que o defeito de nascença foi causado pela infecção do Zika na mãe.

Eles observaram outros dois casos em que os fetos foram encontrados com microcefalia, e o vírus foi identificado no líquido amniótico que envolve o feto, fornecendo mais evidências de transmissão no útero, através da placenta.

“Para mim, é evidência definitiva. Não se fala em outra coisa entre os cientistas”, afirma o infectologista Esper Kallas, professor da USP (Universidade de São Paulo). “A moça estava em Natal no primeiro trimestre de gestação. Depois, encontram uma imensa quantidade de vírus no cérebro, com sequenciamento igual ao do Zika Vírus brasileiro. Para mim, acabou. Não resta mais dúvida”, diz Kallas.

O neotalogista Manoel Sarno, que também pesquisa Zika na Bahia também se entusiasmou com o estudo. “É fantástico, muito consistente, embora ainda vão dizer que é só mais um caso.” Ele já examinou mais de 80 crianças com microcefalia.

No entanto, para outra parte da comunidade científica, ainda serão necessários mais estudos para estabelecer essa relação. Em um editorial, especialistas em Harvard, dizem: “As conclusões deste relatório do caso não fornecem prova absoluta de que o Zika Vírus provoca microcefalia”. Entretanto, eles acrescentam: “Este caso torna a ligação mais forte”.

Eles disseram muito sobre as possíveis relações permanecerem desconhecidas, mas advertiram ser provável que mais mulheres sejam afetadas durante o surto. “Nós não sabemos se o momento da infecção durante a gravidez tem efeito sobre o risco de anomalias fetais e também não temos nenhuma ideia da magnitude desse risco”, disseram eles.

Na semana passada, a Organização Mundial de Saúde declarou o surto de Zika Vírus, espalhado através das Américas, uma emergência internacional de saúde por medo de uma ligação entre o vírus e microcefalia.

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Foto: Oxitec

Até agora, 1,5 milhões de pessoas no Brasil foram infectadas com o vírus e cerca de 4.000 casos de microcefalia têm sido associados à doença.

O relato de um caso, publicado no New England Journal of Medicine, relata que trinta instituições de investigação científica das mais importantes do mundo, jornais e financiadores, hoje comprometeram-se a compartilhar gratuitamente todos os dados e conhecimentos sobre Zika Vírus para acelerar na luta contra a doença. “Os argumentos para a partilha de dados e as consequências de não o fazer, colocam em foco as quantidades absurdas de casos de Ebola e Zika Vírus”, disse um comunicado emitido pelos signatários de todo o mundo.

Especialistas saudaram a iniciativa, dizendo que ela mostrou como a comunidade global de saúde tinha aprendido lições cruciais com a epidemia de Ebola na África Ocidental, que matou mais de 11.300 pessoas e mostrou os cientistas lutando para realizar pesquisas para ajudar no desenvolvimento de tratamentos potenciais e vacinas. “No contexto de uma emergência de saúde pública a nível de preocupação internacional, é um imperativo todas as partes tornarem qualquer informação que possa ter valor no combate à crise, disponível”, escreveram os signatários.

Muito permanece desconhecido sobre Zika Vírus, incluindo seu potencial de causar defeitos de nascença ou outros problemas neurológicos. O Brasil investiga uma potencial ligação entre infecções por Zika e cerca de 4.000 casos de microcefalia.

Equipes de investigação médica e científica ao redor do mundo têm intensificado esforços para descobrir mais sobre a doença, incluindo vacinas ou tratamentos que possam combatê-la.

Larva do Aedes aegypti. Foto: Reprodução / Wikipédia
Larva do Aedes aegypti. Foto: Reprodução / Wikipédia

Mark Woolhouse, professor da Universidade de Edimburgo de doenças infecciosas, disse que o compartilhamento aberto de dados foi “um dos desenvolvimentos mais bem-vindos” que ele tinha visto em décadas. “Se posta em prática, essa declaração vai salvar vidas”, disse ele.

Signatários do acordo se prontificaram a compartilhar os frutos dessa pesquisa. Instituições como o Centro de Doenças, Controle e Prevenção dos Estados Unidos, a Fundação Bill & Melinda Gates, a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Instituto Pasteur da França, a Academia Real Britânica de Ciências Médicas e o Wellcome Trust estão envolvidas.

As revistas científicas, incluindo o New England Journal of Medicine, Nature, Science and The Lancet, se comprometeram a “tornar todo o conteúdo relativo ao Zika Vírus, de livre acesso”.

Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust e um dos signatários da declaração, disse que a pesquisa é uma parte essencial da resposta a qualquer emergência de saúde global. “Isto é particularmente verdadeiro para Zika Vírus, uma vez que tanto é ainda desconhecido sobre o vírus: como ele se dissemina e a possível ligação com microcefalia”, disse ele.

Trudie Lang, professor e diretor da Rede Global de Saúde da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, disse que se os dados são compartilhados cada vez mais, “perguntas podem ser respondidas mais rapidamente”.

Fonte: Daily Mail / Folha de SP / WSJ Foto: Reprodução / Folha da Região

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