“Cadáver Vivo”: síndrome raríssima faz paciente acreditar que está morto

de Merelyn Cerqueira 0

Descrita pela primeira vez em 1880 pelo neurologista francês Jules Cotard, a condição chamada de Síndrome de Cotard basicamente é definida como um delírio de negação ou niilista.

Os portadores do distúrbio vivem em uma realidade distorcida, acreditando estarem mortos. Há pacientes que duvidam de sua própria existência, chegando a pensar estarem perdendo sangue e órgãos internos. Trata-se de uma doença que atrapalha a intuição mais básica do ser humano: a percepção de consciência.

Em um caso relatado pela BBC, um paciente chamado de Martin (nome completo e imagem não divulgados para preservar a imagem), diagnosticado com a condição, é tratado pelo neuropsicólogo clínico, Dr. Paul Brooks, que estuda a relação entre mente, corpo e comportamento. Durante uma sessão, o médico pergunta ao paciente como está se sentindo, e ele responde estar sentindo-se morto.

Não sinto nada. Nada disso é real”, ele diz quando o médico questiona sua sensação. “Meu cérebro apodreceu, nada mais resta em mim. É hora de me enterrar”.

Segundo o neuropsicólogo, todos nós temos um forte sentimento de identidade, que é representado pela pessoa que vive por trás de nossos olhos e nos faz sentir vivos. A mente de Martin não funciona da mesma forma e isso fica mais estranho se nos lembrarmos da famosa frase do filósofo René Descartes: “Penso, logo existo”.

Descartes dizia que era possível que nosso corpo e cérebro fossem ilusões, mas que não era possível duvidar de que temos uma mente e de que existimos, pois se estamos pensando, existimos“, disse Dr. Brooks. Basicamente, pessoas com Síndrome de Cotard não conseguem entender o “eu”.

De acordo com o especialista Adam Zeman, da Universidade de Exeter, Reino Unido, o “eu” pode estar representado em diversas regiões de nosso cérebro. “Creio que está representado inúmeras vezes. Está em todas as partes e em nenhuma“, explicou à BBC.

Para ele, essas representações estão no “eu” físico – associado ao corpo -, no “eu” como sujeito de experiências e no “eu” como uma entidade capaz de se mover através do tempo e espaço. “Estamos conscientes de nosso passado e podemos projetar nosso futuro. Então, temos o ‘eu’ corporal, o ‘eu’ subjetivo e o ‘eu’ temporal”, explicou.  

Zeman ainda analisou o cérebro de um paciente com o distúrbio para observar como ele se comportava. Testes de ressonância mostraram que o indivíduo apresentava baixa atividade em áreas do cérebro associadas ao “eu” de experiências. Tal atividade anormal era semelhante à de pessoas que estavam anestesiadas ou dormindo – o que indica que o paciente, de fato, estaria mentalmente “morto”.

Ainda não se conhecem exatamente as causas da síndrome, mas ela já foi tratada com ajuda de medicamentos combinados com terapia eletroconvulsiva. O primeiro caso registrado foi de uma mulher que negava a existência de algumas partes de seu corpo, bem como a necessidade de comer, o que causou sua morte por inanição, segundo informações da BBC.

[ BBC ] [ Foto: Reprodução  / My All Paper ]

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