Mulher atropela e mata menino e faz relato emocionante sobre a “tragédia que marcou sua vida”

de Merelyn Cerqueira 0

Maryann Gray, 62 anos, era apenas uma estudante universitária de 22 anos quando, em 1977, se envolveu em um acidente que acabou custando a vida de um menino chamado Brian.

A criança teria corrido na frente de seu carro, enquanto dirigia em direção a Oxford, em Ohio, nos EUA. Por anos, Gray não falou sobre o acidente, embora pensasse em Brian constantemente. Falando sobre a tragédia em um relato feito à BBC, ela conseguiu revelar detalhes do acidente e como a morte da criança mudou sua vida para sempre.

Estava de ótimo humor naquele dia. Iria me mudar da pequena cidade de Oxford, em Ohio, para uma casa em Cincinnati com várias outras pessoas. Estava muito empolgada”, disse. “Estava no curso de pós-graduação, mas havia decidido que queria deixar a faculdade. Estava feliz com o que viria depois”, disse ela acrescentando sobre suas intenções de arrumar um emprego e se divertir.

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Eu estava em uma casa – que nós chamávamos de “comuna urbana– pintando o quarto para o qual eu me mudaria. Quando terminei, decidi dirigir de volta ao meu apartamento em Oxford, que já estava com as coisas empacotadas e prontas para a mudança. Era um dia quente de junho e eu pensei que seria uma ótima ideia dar uma nadada”.

Então, entrei numa estrada rural, com uma faixa para cada direção”, relatou. “O limite de velocidade era de 70 ou 80 km/h, bem alto para aquele tipo de pista. A estrada estava cheia, e eu fiquei numa fila de carros seguindo o limite de velocidade”.

Passei por um conjunto de casas, cujas caixas de correio ficavam do lado oposto da pista. Enquanto passava por essas casas, um menino loiro apareceu, se deslocando da caixa de correio para a casa dele. Eu o vi quando já estava perto demais, tentei desviar. Mas não havia jeito de não atingir a criança. Eu bati no menino e ele voou pelos ares e caiu na calçada. Eu estacionei e corri pela rua”.

Gray disse ter ficado tão aflita que sequer se lembra do que aconteceu nos minutos seguintes. “Eu me vi escondida atrás de um arbusto gritando. Eu me ouvi e pensei: “O que é isso? Quem está fazendo isso? Foi quando percebi que era eu. O menino estava recebendo os primeiros socorros na rua. Tinha muita gente dando assistência a ele e pessoas paradas ao redor da estrada”.

Eu estava muito, muito assustada. Sabia que tinha feito algo terrível”, disse ela afirmando que levou ao menos 20 minutos para a polícia chegar. “Eles não esperaram pela ambulância, simplesmente colocaram o menino no banco de trás do carro de polícia e saíram. Atropelei o menino bem na frente da casa dele e alguns vizinhos tinham ido chamar sua mãe. Ela saiu de casa gritando o nome do filho, em desespero”.

Ela queria chegar até o menino, mas os vizinhos a seguraram. Então, ela pareceu desmaiar na frente de casa e eles tiveram que segurá-la. Foi tudo barulhento, confuso, perturbador”, afirmou. “Eu me aproximei da polícia, me apresentei, levantei a mão e disse: ‘Fui eu que fiz isso, fui eu’. Eles não sabiam que eu tinha sido a pessoa que atropelou o menino. Aparentemente ninguém viu”.

Os policiais me colocaram no banco de trás do carro e escalaram alguém para ficar de olho em mim. Assinei um depoimento e conversei com eles por um tempo. Eles procuraram por marcas de freio na rua e fizeram algumas medições. Então, o chefe da polícia foi até mim e disse: ‘Tenho que informá-la que o menino morreu’”.

Eu estava rezando para que não tivesse sido tão ruim quanto pareceu, que ele pudesse estar bem. Eu me lembro de me curvar e chorar e de, depois, tentar me controlar. A polícia concordou em me deixar esperando na casa de uma das vizinhas. Ela foi muito generosa. Tinha uma filha alguns anos mais nova que eu e sabia que a filha dela podia estar no meu lugar, ou no da vítima. O nome do menino era Brian”.

Segunda ela, o policial responsável pelo caso se aproximou e lhe disse que não seria presa, uma vez que não havia indícios de negligência, distração ou outra irregularidade. “Mas eles me deram um pequeno sermão, dizendo: ‘Essa criança morreu. É uma coisa horrível. Você tem que se certificar de que nunca mais fará algo parecido’”.

Fiquei com raiva, porque a ideia de que eu faria isso de novo era absurda”, disse ela acrescentando que ligou para os pais em Nova York para contar sobre o acidente.

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Meu pai chegou à cidade no dia seguinte”, revelou. “Ele ligou para a família que perdeu a criança para prestar condolências, o que deve ter sido incrivelmente doloroso. Ele passou na casa da vizinha para agradecer por ela ter sido tão generosa comigo. Ele resolveu a questão do carro, que teve que ir para uma oficina e contratou um advogado para que me defendesse, caso houvesse algum desdobramento judicial”.

Passei a primeira noite na casa de um amigo, compulsivamente contando os detalhes do que aconteceu. Depois, retornei ao meu apartamento – aquele que estava pronto para a mudança – e basicamente me escondi lá por uma semana”.

Sempre tinha sido uma pessoa correta, que trabalhava duro para tirar boas notas e para estar à altura das expectativas dos meus pais e professores, mas cresci com a sensação que desapontava um pouco. Então depois do acidente eu passei a me preocupar, num nível bem inconsciente, sobre se eu era uma pessoa boa ou ruim”.

Muita gente acredita na ideia de que criamos as bases para nossas próprias vidas – uma pessoa com ódio enxerga um mundo hostil, e uma pessoa amável experimenta um mundo generoso e bom. Então eu pensava: que tipo de pessoa tem esse tipo de experiência? Só pode ser uma pessoa perigosa”.

Quando meu carro voltou da oficina eu tentei voltar a dirigir, mas tinha alucinações. Eu dirigia e, de repente, via alguém atravessando a rua, pisava no freio, mas não tinha ninguém ali”, contou. “Era uma coisa muito perigosa de se fazer. Estava tão assustada que não consegui usar o carro por mais ou menos dois anos”.

Gray revelou que mesmo com o passar do tempo as memórias do atropelamento voltavam a sua cabeça como flashbacks. “Eu podia estar no meio de uma conversa, lavando os pratos ou fazendo mercado e, do nada, visualizava a criança voando pelos ares depois de eu a atropelar, ou uma poça de sangue na estrada – imagens horríveis”.

Passei alguns anos me punindo, afastando as pessoas de mim. Eu namorava homens que me tratavam muito mal e não tinha amigos. Eu estava sempre muito irritadiça e as pessoas que dividiam a casa comigo não gostavam da minha companhia, então eu me mudei da comuna para um apartamento, para morar sozinha”.

Dois anos depois do acidente, me mudei para a Califórnia para começar um programa de pós-graduação em psicologia e isso, realmente, foi um novo começo para mim. Eu estava intelectualmente engajada e fazendo algo que eu sentia ser importante e útil. Isso gerava uma sensação muito boa”.

Eu basicamente parei de falar sobre o acidente, seguindo o conselho dos meus pais, que disseram que, se as pessoas soubessem o que eu fiz, poderiam me ver de forma diferente. Eu frequentemente me refiro a esse menino, Brian, como meu fantasma, porque ele se tornou parte de mim. A voz dele, na minha mente, se tornou uma voz bem punitiva, raivosa, que dizia: ‘Não seja feliz. Você se lembra o que aconteceu da última vez em que você ficou feliz? Você matou uma criança, você me matou’”.

Eu pensei no Brian no dia em que me casei. Eu pensei no Brian no dia em que meu pai morreu. Eu pensei no Brian no dia em que defendi minha dissertação. Eu pensei no Brian no dia em que comecei um novo emprego. Ele viveu comigo”.

Por anos, eu pensei em contatar a família do Brian, mas me contive porque não sabia se eles iriam querer isso. Eu não tinha muito dinheiro, mas eu fiz uma doação anônima de alguns milhares de dólares para a faculdade do irmão dele, para pagar parte da matrícula”, revelou. “Então, cerca de 10 anos atrás, fiz uma viagem a Israel. Eu sou judia, e fui com meu rabino e outras pessoas a um templo. Quando estava lá, eu adotei um nome hebraico, Bracha, que significa benção. Eu escolhi esse nome em homenagem ao Brian”.

Quando cheguei em casa, escrevi uma carta para a mãe de Brian. Eu disse a ela que havia adotado esse nome em memória do filho dela e que Brian vivia no meu coração, assim como eu sabia que vivia no coração dela”. No entanto, Gray acabou descobrindo que a mãe da vítima havia morrido e que a correspondência teria sido encaminhada ao irmão mais velho de Brian.

Um dia, eu estava sentada no meu escritório, quando atendi a um telefonema e era ele. Ele tinha lido a minha carta e me achou na internet”, disse. “Conversamos por cerca de 45 minutos. Foi uma conversa emotiva. Ele estava com muita raiva e me contou o quanto a família dele havia sofrido”.

À medida que conversávamos, ele ia se acalmando […] No final da conversa, eu disse: ‘O que você quer me perguntar? Você pode me pedir o que quiser’”.

“Ele perguntou: ‘Você estava correndo?’, e eu disse: ‘Não, eu não estava correndo. Eu sinto muito. Eu sinto muito mesmo, mas seu irmão apareceu na frente do meu carro.

E ele disse: ‘É, eu sei. Hora errada e lugar errado’”, disse ela acrescentando que neste momento, pela primeira vez, sentiu-se perdoada.

Eu me perdoo, mas eu vivo aterrorizada de que possa machucar mais alguém”, afirmou. “Eu tentei honrar Brian e a família dele ajudando os outros e sendo uma pessoa melhor, mas acho que nunca ficarei totalmente em paz comigo mesma por ter matado uma criança. Eu nunca deixarei de me horrorizar com isso”.

Fonte: BBC Fotos: Reprodução / BBC

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