Maiores mistérios da maconha que pesquisadores ainda estão tentando resolver

de Otto Valverde 0

De muitas maneiras, estamos na era de acesso à maconha. Em novembro do ano passado, mais de 20% dos norte-americanos foram viver em estados que votaram para legalizar o uso recreativo da droga. A maioria vive em estados que permitem o acesso à maconha medicinal.

No Colorado, os aficionados podem participar de jantares de US$ 125 por pessoa, o equivalente a 395 reais, onde variedades de ervas são combinadas a refeições gourmet preparadas por um chef. 

Em Nova York – um estado com uma lei de maconha medicinal relativamente rigorosa – um idoso de 98 anos de idade como Ruth Brunn depende de óleo de cannabis para acalmar as dores debilitantes de neuropatia.

A maconha é mais legalmente acessível agora do que desde a era do filme pejorativo sobre ela, “Reefer Madness”, dos anos 1930.

A variedade de maconha disponível agora, criada com a ajuda da botânica moderna e química, é absolutamente incomparável​. 

Com isso em mente, você poderia pensar que os pesquisadores teriam um bom controle sobre exatamente como o uso regular ou casual de maconha afeta os seres humanos, como a maconha medicinal deve ser melhor usada e quais os riscos potenciais para o consumo de maconha.

Mas se você pensou que este momento de liberalização da maconha é inteiramente apoiado pela compreensão científica, está enganado.

Este momento é mais um caso clássico de quando as leis e a política ultrapassam o conhecimento científico. 

“Há tantas questões básicas que precisam ser abordadas”, disse Ryan Vandrey, professor associado de Psiquiatria que pesquisa sobre a maconha na Universidade Johns Hopkins Medicine.

“O uso prático e legalização dessas coisas estão acontecendo mais rápido do que a Ciência pode acompanhar”, completou.

Vandrey e vários outros especialistas entrevistados pelo site Business Insider afirmam que, embora saibamos muito mais sobre a maconha do que há poucas décadas atrás, há tópicos importantes – desde perguntas sobre como a maconha afeta os cérebros de diferentes usuários até questões sobre o uso medicinal. 

Não se trata de ser a favor ou contra, é simplesmente o fato de que os cientistas querem saber mais – especialmente agora, quando é um tema tão importante por causa da onda de legalização.

A agência de drogas norte-americana Drug Enforcement Agency (DEA) considera a maconha uma droga sem valor médico, por isso é difícil de obter aprovação para pesquisá-la e impossível estudar os produtos à base de cannabis que a maioria das pessoas usa, uma vez que os pesquisadores só podem estudar a maconha cultivada em instalações aprovadas pela DEA. 

“É muito surpreendente que tenhamos tantas perguntas sem resposta”, disse Staci Gruber, professor associado de Psiquiatria na Harvard Medical School e diretor do programa Marijuana Investigations for Neuroscientific Discovery no Hospital McLean.

Muitas das perguntas se encaixam em três categorias:

Seus efeitos em usuários jovens e velhos;
Os efeitos da maconha medicinal;
A própria constituição da planta.

E enquanto a maconha ainda é angustiantemente difícil de pesquisar, há uma série de estudos em curso que deve ajudar a responder algumas das perguntas mais pertinentes.Aqui está o que estamos aprendendo com essas pesquisas e o que permanece incógnito.

Uma planta sagrada, um lazer casual, uma droga perigosa ou um medicamento poderoso?

A planta de cannabis em si é um organismo fascinante que a humanidade tem usado por milhares de anos por razões que vão desde rituais religiosos até o aprimoramento de desempenho ou simplesmente festejar. 

Mas dentro dessa planta há em algum lugar cerca de 400 compostos químicos, mais de 60 dos quais são compostos especiais conhecidos como canabinoides.

Eles se ligam a um sistema recentemente descoberto no nosso cérebro que interage com os canabinoides produzidos naturalmente.

Em cada animal, esses canabinoides naturais desempenham múltiplos papéis, afetando humor, apetite, memória, consciência, resposta à dor, pressão arterial e muito mais. 

A humanidade está muito longe de compreender plenamente como esse sistema funciona e ainda mais longe de compreender todos os compostos na maconha.

O canabinoide mais famoso é o THC, responsável dos efeitos da maconha no corpo. O Canabidiol, CBD, é o próximo mais conhecido e parece ser importante para muitos usos médicos da maconha. 

Em um dos estudos que a equipe de Gruber está trabalhando no Centro de Investigação de Maconha para Descoberta Neurocientífica(MIND) no Hospital McLean em Massachusetts, os pesquisadores estão testando para ver se o CBD pode ajudar a reduzir a ansiedade. Ele também desempenha um papel no alívio da dor e vários dos outros usos médicos conhecidos da maconha. Mas esses são apenas dois componentes da planta.

“Sabemos muito sobre THC e estamos começando a aprender sobre CBD”, disse Vandrey. “De cerca de 400 compostos, sabemos algo decente de de dois”, completou. Isso significa que há muito a aprender sobre quais compostos podem contribuir para os efeitos psicoativos e que podem potencialmente ter usos médicos.

Estirpes especiais e potência variável

O mais complicando nesta questão é o fato de que os produtores criam numerosas cepas de cannabis com características diferentes.

É possível ver isso com mais frequência agora com várias concentrações de THC em variedades diferentes. 

Os dados sobre isso não são perfeitos, mas é verdade que você pode sentir os efeitos da maconha mais do que nunca, em grande parte por causa de inovações em práticas de crescimento. Cerca de 20 anos atrás, uma alta concentração de THC poderia ser entre 10% e 12%.

Em lojas legais de maconha em Colorado e Washington agora, não é difícil encontrar concentrações de 18%, 24% ou até 30% de THC. Cada ajuste vai mudar os efeitos sobre a saúde da planta.

Plantas com alto teor de THC tendem a ter baixa concentração de CBD, por exemplo, de acordo com Krista Lisdahl, professora de Psicologia e diretora do laboratório de Neuroimagem e Neuropsicologia da Universidade de Wisconsin em Milwaukee, nos Estados Unidos.

Lisdahl diz que isso pode ser preocupante, uma vez que há algumas pesquisas indicando que algumas das alterações cerebrais observadas em fumantes de maconha com alta concentrações de THC não estão presentes em usuários que consomem maior concentração de CBD. Gruber se pergunta o que acontecerá quando a concentração de THC “subir para 40%, 50%, 60%”. 

As pessoas consomem THC nesses níveis em algumas formas concentradas de cannabis, mas não se sabe se esse tipo de consumo traz riscos adicionais à saúde ou não.

Por um lado, o material de alta potência pode ser pior para a cognição, mas por outro lado, Gruber diz que as pessoas podem fumar menos quando usam produtos mais concentrados. “Devemos provavelmente fazer um trabalho melhor em entender quais são os efeitos”, disse ela.

O conhecimento comum não é apoiado pela Ciência

É comumente entendido que a cannabis pode ser amplamente dividida em indica e sativa, sendo a indica teoricamente melhor para relaxamento e sativa proporcionando um efeito mais energizante ou criativo. Também existem híbridos das variedades. Mas não existem estudos científicos que provem isso, tornando difícil para os fumantes recreativos saber exatamente o que eles estão fumando e que efeito terá.

Usuários experientes podem não encontrar nada para se preocupar aqui, mas como a erva se tornou mais acessível, estes são algumas perguntas que surgem. 

Quando compramos bebidas, as diferenças entre uma os tipos de cerveja e todos os tipos de uísque são claramente definidas.Isso complica o uso da cannabis em um contexto médico. 

Quando se trata de maconha, “milhões de pessoas estão usando diferentes tipos de produtos de cannabis para fins supostamente terapêuticos”, disse Vandrey.

Diferentes potências e concentrações – todas consumidas de maneiras diferentes. Vandrey está estudando como diferentes maneiras de consumir maconha – oralmente, fumando ou por evaporação – afetamo corpo.

E enquanto ele diz que nem todo o seu trabalho pode ser revelado ainda, sabemos que o modo de ingestão faz uma grande diferença em como as pessoas sentem os efeitos da droga.

Muitas substâncias podem cair na categoria médica da cannabis, mas dependendo de seu canabinoide específico,a quantidade e o modo de consumo, elas terão efeitos diferentes. Todas as pessoas que usam produtos para fins terapêuticos estão “sem informações sobre quais tipos de produtos escolher, quais doses usar e como a cannabis se compara a outros medicamentos”, de acordo com Vandrey.

Sabemos que a maconha tem usos médicos legítimos – um relatório recente das Academias Nacionais de Ciência, Engenharia e Medicina (NASEM) descobriu um número de maneiras pelas quais a maconha parece ser medicamente eficaz. 

Mas o relatório também observou que muito mais informação sobre como a maconha e seus vários componentes afetam os usuários é necessária. No momento, isso é difícil de estudar.

A maconha que os pesquisadores podem dar às pessoas para experiências tem que vir de instalações aprovadas e tende a ser muito mais fraca do que as disponíveis comercialmente.

Um pesquisador no Colorado pode entrar em uma loja e comprar maconha, mas cientistas não podem obter aprovação para dar esse produto aos participantes de um estudo. Parcialmente por causa disso, é difícil determinar o que há nesses produtos.

Não há um sistema aprovado para testar produtos de cannabis, então as pessoas que executam testes diferentes em amostras de maconha podem obter resultados diferentes.

Esses resultados podem variar ainda mais se eles usarem um teste para maconha convencional e outro para maconha comestível. Para aqueles que realmente querem entender melhor a planta e como usá-la mais eficazmente em um contexto médico, isso é um problema real. “Uma coisa que é absolutamente crítica é o desenvolvimento de padrões sobre a fabricação de produtos e rotulagem”, disse Vandrey.

Alguns estados começaram a exigir que os produtos de maconha fossem testados quanto à potência e para certificar que eles estão livres de contaminantes – o Colorado tem regras para produtos recreativos e médicos, e Washington começou a exigir testes após a aprovação da maconha recreativa, por exemplo. No entanto, não está claro se um meio totalmente preciso de testar produtos de cannabis existe ainda.

Uma análise de 75 produtos de maconha medicinal comprados em Los Angeles, São Francisco e Seattle descobriu que apenas 17% foram rotulados com precisão. Algum tipo de padrão nacional pode exigir a elaboração de testes mais precisos.

Como o uso da maconha medicinal vai afetar os pacientes?

As incógnitas sobre o que vários canabinoides fazem e como eles interagem uns com os outros criam muitas perguntas sobre as melhores maneiras de usar maconha medicinal. Mas isso não significa que não sabemos nada.

O referido relatório da NASEM descobriu que a cannabis, tanto a maconha regular quanto vários produtos derivados dela, podem tratar a dor crônica de forma efetiva juntamente com outras condições. A dor, de fato, é a razão pela qual a maioria das pessoas a procura.

Os pesquisadores têm boas razões para pensar que nos estados onde as pessoas mudam de opioides para maconha – para controlar a dor – as taxas de overdose e vício estejam caindo. Mesmo que haja muito a ser aprendido sobre que tipo de cannabis trata qual condição, existem razões para pensar que ela é eficaz.

“Você tem que respeitar o fato de que parece haver pessoas que têm problemas de saúde muito graves e têm encontrado efeitos positivos do uso de cannabis”, disse Vandrey. “Cabe a nós tentar descobrir como, por que e desenvolver terapias direcionadas muito específicas com base no que pudermos encontrar”, completou. Mas como o uso de maconha medicinal regular – especialmente para tratar algo como dor crônica, que pode não ter causa conhecida, portanto, nenhuma finalidade conhecida – vai afetar as pessoas que vão usá-la?

Ainda não existem respostas definitivas, mas o programa MIND de Gruber,em Massachusetts, está fazendo muito para descobrir isso.

Os primeiros dados são surpreendentes e encorajadores. Em um de seus estudos no Hospital McLean, Gruber e colegas estão acompanhando um grupo de usuários de maconha medicinal ao longo do tempo para ver como sua saúde muda. 

Ao verificar os usuários a cada dois meses, eles vão ver se o produto está ajudando, e como o uso de maconha está afetando sono, capacidade cognitiva e qualidade de vida. Além disso, eles estão acompanhando a atividade cerebral para ver se alguma mudança ocorre ao longo do tempo.

“Acho que este estudo observacional em grande escala é o primeiro de seu tipo e vai realmente servir o público”, disse Gruber. É somente com estudos como este – que acompanham as pessoas ao longo do tempo – que será possível ver que tipo de efeitos a maconha está tendo na vida dos pacientes. 

Uma vez que este estudo específico é tão completo e focado em pacientes mais velhos do que os participantes em muitos outros estudos, ele diz mais sobre como a maconha afeta adultos, especialmente que a usam por uma razão médica – existem muitos dados sobre os jovens usuários, mas poucos dados sobre usuários com uma idade média de cerca de 48 e 49 anos.

Ela salienta que é muito cedo para tirar conclusões deste trabalho em curso. Mas um dos primeiros estudos a sair deste projeto particular teve uma descoberta encorajadora. Seus resultados preliminares mostraram que em três meses de tratamento com maconha medicinal, um grupo de 24 usuários mostrou melhora significativa nos testes de função cognitiva. Testes de fumantes recreativos no passado mostraram piora na função cognitiva.Esse resultado mostrou o oposto.

Os dados de imagem que eles conseguiram até agora também mostraram algumas mudanças interessantes na atividade cerebral. Para pacientes como estes, muitos dos quais lutam contra a dor, exames cerebrais anteriores mostraram fluxo sanguíneo anormal durante tarefas cognitivas. Depois de alguns meses de maconha medicinal, essa atividade mental começou a se parecer com a atividade da população de controle saudável. De certa forma, isso não é surpreendente. Se sua mente não está mais lutando contra dor ou ansiedade, testes cognitivos podem ficar mais fáceis.

Mas isso nunca foi demonstrado antes, o que mostra apenas o quanto é preciso de aprender sobre os efeitos do uso médico de cannabis. O potenciômetro recreativo é ainda mais forte do que a maconha medicinal – a administração política atual colocou as leis que o legalizam em risco. “Não temos escassez de dados de usuários crônicos e pesados”, disse Gruber. Quando olhamos para os “efeitos” da maconha recreativa, é importante considerar o contexto. É diferente comparar a maconha com drogas fortes, como opioides ou substâncias como o álcool.

Algumas pesquisas até agora indicam que a maconha é “mais segura” do que essas substâncias, pois as pessoas não sofrem de overdose e, mesmo que possa se tornar um hábito, não parece ser tão viciante quanto álcool. Isso não significa que seja inofensiva. Nos estudos desses usuários crônicos, “vemos que os usuários de maconha têm velocidade de processamento menor, pior memória e pontuação de aprendizado em certos testes, menor atenção sustentada”, disse Lisdahl.

Há também ligações entre problemas de depressão e sono em alguns desses usuários, e alguns usuários ​​mostram alterações cerebrais ligadas a um controle emocional ou memória mais pobres.

Estas mudanças foram observadas particularmente nas pessoas que começaram a usar maconha antes dos 16 ou 17 anos. Isso não é algo exclusivo da cannabis. Muitas substâncias podem prejudicar um cérebro em desenvolvimento.

Quando se trata de uso adolescente, Lisdahl diz que o álcool parece ser particularmente ruim, mas que ainda existem algumas alterações cerebrais únicas associadas com o uso de maconha.

O que acontece quando crianças começam a experimentar maconha

Um esforço de pesquisa em que Lisdahl está envolvida poderia ajudar a descobrir alguns desses mistérios. O estudo ABCD é “extremamente excitante, não apenas para a maconha – há centenas de coisas que podemos ver”, diz ela. ABCD é um esforço de pesquisa que acompanhará 10.000 crianças em todo o país – começando quando elas têm 9 ou 10 anos de idade – por 10 anos.

Para este estudo, os pesquisadores irão analisar as escolas em que as crianças estão matriculadas, ver onde vivem, rastrear imagens de seus cérebros, ver o quanto fazem, dormem e muito mais. Eles irão acompanhar tudo: estresse, hormônios da puberdade até o uso de substâncias. Eles também vão vê-las antes e depois de começarem a experimentar qualquer substância, incluindo maconha, álcool, nicotina e outras drogas. “É o primeiro de seu tipo em todo o mundo deste escopo e profundidade”, disse Lisdahl.

Seguir as crianças durante um longo período de tempo é provavelmente a melhor maneira de entender quando e por que começam a usar substâncias, de acordo com Gruber. Quando se trata de uso de substâncias recreativas, sabemos muito sobre o álcool – que afeta o sono, cognição, probabilidade de violência doméstica e outras coisas. Os pesquisadores também querem saber as respostas dessas perguntas sobre a maconha. Pelo que podemos dizer, o uso em adultos parece estar menos associado a alterações cerebrais, embora isso não signifique que não haja efeitos cognitivos.

Mesmo que a maconha cause os efeitos negativos sobre cérebros jovens de que os pesquisadores suspeitam, isso não significa que a proibir completamente seja a política mais eficaz nos EUA. Legalização não necessariamente aumenta as taxas de uso para as crianças com base no que se viu até agora.

Crianças no Colorado e Washington não estão usando mais após a legalização, embora Lisdahl diga que, como esses estados já tinham as taxas mais altas de uso entre jovens, elas não nos dizem, por exemplo, se as crianças em Indiana vão começar a fumar mais maconha após a legalização. A educação pode ajudar a manter baixas as taxas de utilização dos jovens.

Esses estudos em andamento ajudarão a responder a algumas das questões mais prementes, mas isso levará algum tempo. 

Serão 10 anos (ou mais) antes que o estudo ABCD realmente comece a revelar como as vidas dos participantes mudaram ao longo do tempo. E mesmo assim, muitas das perguntas feitas no estudo estão apenas começando. 

É importante saber se maconha segura é para mulheres grávidas. Há conexões entre o uso de maconha com baixo peso ao nascer e o tempo gasto na UTI pelos bebês, então certamente não podemos dizer que o consumo seja seguro, mesmo que algumas mulheres já a usem para controlar a náusea.

Nada do que foi dito é destinado a demonizar ou canonizar a cannabis. Ela é apenas outra substância que os seres humanos há tempos. Ela pode ser usada de maneiras negativas, positivas ou ter efeitos neutros. Como Gruber explica, “Nós não estamos realmente atrás do bom ou do mau – nós estamos atrás da verdade.”

Fonte: Science Alert Fotos: Reprodução / Science Alert

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