Laboratório russo diz que, futuramente, poderá reviver pessoas através da criogenia

de Gustavo Teixera 0

Britânicos estão pagando a uma empresa russa até 29.200 libras – cerca de 113 mil reais – para serem congelados criogenicamente quando morrerem, na esperança de serem trazidos de volta à vida no futuro.

A empresa KrioRus alega que oferece preços baixíssimos em comparação aos laboratórios americanos, com um acordo especial para congelar apenas o cérebro humano por 10.000 libras ou aproximadamente 39 mil reais. O cérebro seria, então, descongelado e colocado em um “novo” corpo humano quando a tecnologia permitisse. Um professor de Medicina e um cientista assinaram contratos com a KrioRus, com sede em Moscou, e um aposentado também, segundo o jornal britânico MailOnline.

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Quando eles morrerem, seus restos serão embalados em gelo seco e transportados para a Rússia, sendo armazenados por décadas ou séculos em grandes frascos localizados dentro de um modesto armazém, cercado por casas particulares localizado a cerca de 75 quilômetros ao nordeste do Kremlin, o centro da capital russa.

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No futuro, quando os avanços tecnológicos permitirem, eles esperam que seja feita uma tentativa de trazer seus cadáveres ou cérebros de volta à vida. Para alguns, esse é um pesadelo de ficção científica e uma afronta macabra à natureza, para outros, é uma perspectiva realista e um passo tentador para a vida eterna. O procedimento é o mesmo que foi usado para preservar os restos mortais de uma menina britânica de 14 anos, vítima de câncer, conhecida apenas como JS, que foi ao tribunal no ano passado em seus últimos dias para permitir que seu corpo fosse congelado em uma instalação nos Estados Unidos.

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A empresa russa, que agora tem 52 corpos ou cérebros, está procurando mais clientes, e afirma oferecer um serviço mais econômico para seus pacientes do que nos Estados Unidos. O jornal britânico MailOnline teve acesso exclusivo à instalação de tanques gigantes quando foram dadas as recargas bimestrais de nitrogênio líquido. Uma névoa fantasmagórica jorrava das cubas de restos humanos enquanto o engenheiro inseria a dose necessária do coquetel químico. No local, existem bandeiras das nacionalidades dos clientes, os únicos pontos de cor do repositório limpo.

As leis de privacidade impedem a KrioRus de nomear seus clientes sem seu consentimento prévio, mas a diretora-geral da empresa, Valeria Udalova, de 56 anos, disse que dois clientes britânicos eram homens com aproximadamente 60 anos e assinaram a documentação necessária para serem preservados criogenicamente. Um é um eminente professor de Medicina, e o “outro paciente britânico é um cientista que escolheu ter apenas seu cérebro preservado”, disse Udalova.

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Nesses casos, as pessoas esperam que os cérebros possam ser implantados em um corpo saudável disponível, e talvez mais jovem. Um terceiro homem é um aposentado do Reino Unido, cuja ocupação anterior não foi divulgada, mas também escolheu congelar apenas o cérebro.

Um quarto homem, “estudante do subúrbio de Londres” está atualmente avaliando o texto de seu contrato, mas ele planeja preservar o corpo inteiro, disse Udalova. Nenhum deles está gravemente doente ou prestes a morrer”, disse ela. Ela alegou que a perspectiva de voltar à vida no futuro é real.

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Todos os nossos pacientes têm a chance de serem trazidos de volta à vida, depende apenas da velocidade do desenvolvimento da nanotecnologia”, disse ela. Podem ser 1.000 anos ou mais, se necessário, mas eu espero que a Ciência encontre uma maneira de trazê-los de volta à vida muito mais cedo. É claro que os pacientes serão descongelados no mesmo estado em que foram criogenicamente preservados e na idade exata”, completou.

Alguns cientistas russos discutem se essa possibilidade é real, e não há poucos que considerem a técnica uma pseudociência. Por exemplo, a presidente da KrioRus, Danila Medvedev, 36, prevê que “depois de 2030 haverá tecnologias que permitirão trazer as pessoas de volta à vida, ou pelo menos seus cérebros” e também afirma: “Em 2050, o procedimento estará à disposição das massas”.

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Deixando de lado essas inconsistências, Sr.ª Udalova afirmou que os custos de congelamento na Rússia são muito menores para clientes estrangeiros do que nos EUA, mas a perspectiva de voltar à vida não é barata. KrioRus cobra 29.200 libras, cerca de 113 mil reais para preservação de todo o corpo, ou 9.750 libras – aproximadamente 39 mil reais – para manter apenas o cérebro, prática que também é conhecida como neuropreservação.

Os únicos custos extras são os de transporte, disse ela. Se o cliente vier do Reino Unido, por exemplo, pode ter que pagar um adicional de 2.500 libras – cerca de 9.700 reais – embora as famílias possam optar por meios mais caros. As taxas se comparam com um custo relatado de 37.000 libras – cerca de 144 mil reais – para preservar o corpo da menina JS, nos Estados Unidos, mas Sr.ª Udalova alegou que os preços nos Estados Unidos podem ser muito mais elevados, rondando a casa das 162.600 libras, cerca de 631 mil reais, com sobretaxas.

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Recordando as profissões de nossos clientes, o primeiro era um biotecnólogo, então tivemos um paciente que era PhD, em seguida uma mulher, professora de Matemática”, disse Udalova. Nós também tínhamos uma mulher que era apenas atendente de almoxarifado. Ela e a família juntaram dinheiro para tratar um câncer, mas ela morreu rapidamente, e decidiram gastar esse dinheiro em sua conservação”, completou.

Uma mulher do Japão era dona de casa. Também tivemos um homem de negócios rico que preservou sua esposa. Mas entendemos que as famílias que, por exemplo, perderam alguém com câncer raramente têm muito dinheiro. Oferecemos-lhes o pagamento em prestações, ao longo de dois ou três anos”, pontuou.

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Sr.ª Udalova está inteiramente convencida das perspectivas de uma segunda vida através da criogenia, e disse que congelou sua própria mãe. Ela não estava tão positiva quando estava viva, mas consegui persuadi-la”, disse ela. “Ela foi criogenicamente preservada pela nossa empresa em 2008.”

Seu cão também foi congelado e foi o primeiro na Rússia quando aconteceu. Udalova também será preservada quando chegar sua hora. Até agora, os restos de 13 estrangeiros são mantidos dentro de tanques, a uma temperatura de -196º C, muito mais frio do que um inverno Siberiano intenso que, na pior das hipóteses, atinge a marca de -60º C.

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Nós não temos crianças ou adolescentes, o paciente mais novo tem 23 anos. Mas mantemos uma amostra de DNA e um pedaço de pele de um bebê de 18 meses que morreu de câncer. Nós argumentamos com os pais que a personalidade do bebê não se desenvolveu em tal idade – então decidiram armazenar apenas a amostra de DNA”, completou.

Há 20 animais ao lado dos restos humanos, todos com a esperança de um retorno à vida. Os animais são sete cães, oito gatos, três pássaros e um chinchila chamado Knopochka. Knopochka sofreu um acidente em 2014, bateu a cabeça, e morreu, um acontecimento perturbador para os quatro filhos de seus proprietários, que optaram por congelar o animal de estimação para o futuro. A sede da empresa fica Semkhoz, uma vila no subúrbio da cidade de Sergiev Posad, e uma das diversas lojas da empresa fica em Moscou. Perto da sede, há casas tradicionais de madeira, e um par de antigos carros soviéticos enferrujados.

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Quando KrioRus abriu em 2012, alguns moradores tentaram impedir que a instalação ficasse entre suas casas, mas sua petição foi ignorada pelas autoridades. Usamos frascos de Dewar para a preservação dos corpos e cérebros dos pacientes”, disse Udalova. Cada uma das cubas brancas pode abrigar dez corpos humanos. Um grande problema que tínhamos antes era que os frascos de Dewar tradicionalmente fabricados tinham furos muito estreitos”, explicou.

Agora nós começamos nossa própria linha de produção de recipientes com furos grandes o bastante, e podemos fazer como precisarmos. Também podemos fornecê-los para outros armazéns, por exemplo para um novo local que está planejado abrir na Austrália”, completou. Ela elogiou a adolescente JS, que pediu, com sucesso, aos tribunais ingleses para ser congelada após a morte. “Todos nós aqui ficamos absolutamente fascinados com a história recente no Reino Unido, quando uma menina insistiu na criopreservação de seu corpo”, disse ela.

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Com a ajuda de nossos amigos no Reino Unido, obtivemos o julgamento completo do tribunal, traduziremos para russo e o publicaremos em nosso site. Foi um evento histórico importante para a criogenia, com incrível importância para a sociedade”, completou. Sua visão está em desacordo com o pai da menina britânica, que acusou a empresa americana de criogenia de “vender falsas esperanças para quem tem medo de morrer”. 

Ele disse: “Quando perguntei se havia mesmo uma chance em um milhão de minha filha ter sido trazida de volta à vida, eles não puderam dizer que sim.” Ele disse ao jornal britânico The Mail na época: “Acho que seria duplamente impossível trazê-la de volta dos mortos e curar seu câncer, e as empresas não deveriam alimentar falsas esperanças.

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Udalova insistiu tranquilamente que “embora este seja o nosso negócio, estamos sempre contentes de saber quando os nossos pacientes continuam vivos”. Por exemplo, em 2016 assinamos 14 contratos, e apenas uma pessoa morreu. Os outros 13 ainda estão vivos e estamos felizes por eles”, disse ela.

A mulher que morreu no ano passado foi a italiana Cecilia Iubei, de 85 anos, que foi inscrita no programa pela família. Fotos divulgadas por sua família mostram o gelo seco que cobre o corpo da senhora, enquanto a preparam para o transporte para Moscou. Udalova disse que eles instruem os médicos de seus clientes sobre a realização de procedimentos para garantir a preservação do corpo a partir do momento da morte. Ou por um custo extra, os médicos russos podem ir para o exterior para realizar essa tarefa.

Neste processo, dois procedimentos são essenciais:

Um deles é tirar o sangue do corpo e substituí-lo com uma solução criopreservação. O segundo processo é a vitrificação, que é resfriamento profundo sem cristalizar os tecidos. O sangue no candidato à ressurreição é substituído por uma solução especial projetada por um cientista nascido na Sibéria, Dr. Yuri Pichugin. O produto também é usado no Cryonics Institute dos EUA. Primeiro, 10% de etilenoglicol é inserido nos vasos sanguíneos da cabeça do paciente, então 30% de etilenoglicol é aplicado”, explicou Pichugin.

Finalmente, uma solução que consiste em 35% de etilenoglicol e 35% de sulfóxido de dimetilo é bombeada até a cabeça ficar totalmente saturada”, completou. Ao mesmo tempo, o corpo é resfriado de 0° C para -127° C. Então, tanto a solução final, quanto os tecidos da cabeça endurecem e se transformam em vidro, o que é chamado de vitrificação”, disse o médico.

A diferença entre a vitrificação e o congelamento simples é que a vitrificação não produz cristais de gelo, que é o principal fator destruidor para células e tecidos. Nem a cabeça do paciente, nem o corpo são necessários ficar em tal solução, basta perfurá-los através de vasos sanguíneos”, disse Pichugin. A temperatura é então reduzida para -196° C. Um vídeo mostra o processo em um cachorro.

Udalova admite que existem objeções religiosas ao processo de preservação dos mortos, mas ela as elimina: Em geral, eles têm medo de qualquer coisa nova e desconhecida, mas estou certa de que não estamos oferecendo nada que vá contra a religião. Afinal, basta lembrar a Bíblia: Jesus não trouxe Lázaro de volta à vida?”, disse ela. E na verdade, eles tratam nossos armazéns como cemitérios. Muitos vêm aqui passar algum tempo com seus amados. Nós sempre os deixamos sozinhos, para prestar seus sentimentos”, completou.

Ela afirmou que os conhecimentos russos nesse campo são aproveitados por outros países. Eles estão desenvolvendo esses serviços cerca de 50 anos depois do primeiro homem ser criogenicamente preservado nos EUA. O aniversário da morte de James Hiram Bedford é todo 12 de janeiro. Ele foi professor de Psicologia da Universidade da Califórnia, e escreveu vários livros sobre aconselhamento ocupacional. Seus restos mortais estão na Alcor Life Extension Foundation nos EUA.

Udalova disse: “Nós estamos supervisionando o desenvolvimento de criogenia em vários outros países como Japão, Itália, China, Austrália e provavelmente Alemanha. Os países da União Europeia planejam fundar uma Associação de Criologia na Europa e esperamos trabalhar nela”. Em relação ao apoio governamental aqui na Rússia, tenho o orgulho de lhe dizer que recebemos nossa primeira concessão para a criação do programa de computador para vitrificação. Isso vai melhorar a velocidade de refrigeração que afeta seriamente a qualidade da criopreservação”, completou.

Irina Siluyanova, chefe do Departamento de Bioética da Pirogov Russian National Research Medical University, condenou publicamente tais serviços. “A ciência mundial reconheceu que os organismos humanos congelados não podem voltar à vida”, disse ela. “Os médicos russos pensam que eles são parecidos com magos, feiticeiros ou os promotores da pseudociência”, completou.

Evgeny Alexandrov, diretor da Comissão de Combate à Pseudociência e Falsificação da Pesquisa Científica da Academia Russa de Ciência, alertou: “A ciência agora é capaz de congelar e recuperar células individuais, que são, em particular, muito importantes, células humanas, espermatozoides e órgãos individuais de alguns organismos mais simples, como os répteis, mas criogenia simplesmente explora o medo humano da morte”.

Não consigo imaginar nenhum fisiologista acreditando sinceramente que é possível reviver pessoas congeladas em um futuro vagamente distante”, completou. Qualquer tentativa de preservar as pessoas congelando-as baseia-se em conjecturas, disse ele, uma vez que ninguém realmente teve qualquer experiência de reviver um ser humano. Nikolay Shubin, pesquisador da área, disse: “Aplaudo o desejo de avançar nessa direção para realizar pesquisas científicas, mas acho que fazer essas coisas, na prática, é vicioso. Esvaziar cadáveres não tem sentido. A morte é a parada irreversível da vida. A morte é a morte”.

Dr. Alexander Chuykin, do Instituto de Fisiologia Pavlov, disse: “As chances de que os corpos são agora congelados do jeito correto é quase igual a zero. No momento, eles apenas congelam cadáveres. O problema não é apenas como descongelar o corpo, mas também como ressuscitá-lo”. Existe o caminho, mas não há tecnologia. E, na minha opinião, manter corpos congelados no momento é apenas comércio. E um comércio bastante enganador”, finalizou.

[ Daily Mail ] [ Fotos: Reprodução / Daily Mail ]

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