É oficial: perdemos o Rio Doce e ele está “morto”! E agora?

de Bruno Rizzato 0

Por mais que as informações divulgadas pela grande mídia e pelos órgãos governamentais sobre o terrível rompimento das barragens em Bento Rodrigues, no distrito de Mariana, região Central de Minas, estejam sempre tentando mostrar a improvável punição efetiva contra a Samarco – empresa mineradora responsável pela implantação e manutenção das barragens, e os danos que precisariam ser revertidos no ambiente -, há algo essencial que nunca é dito com ênfase: o Rio Doce já está morto.

Após o mar de lama ter invadido o rio e os ecossistemas, muitas análises estão sendo realizadas, no intuito de medir o tamanho da tragédia. Foi constatado, segundo relatórios do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), que o rio está completamente infectado por partículas de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio. Isso torna a água completamente sem utilidade.

André Ruschi, biólogo e ecólogo atuante na Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, em Aracruz, no Espírito Santo, estimou o prazo de um século até que estes rejeitos possam começar a ser eliminados. “Já estamos acostumados a lidar com vários tipos de sonegação de informação, falsificação de resultados, etc. São empresas historicamente inadimplentes e sempre com problemas em cumprir as exigências dos órgãos ambientais nas suas licenças. O primeiro laudo já indicou a presença de mercúrio na água do Rio Doce”, disse ele em entrevista ao jornal O Tempo.

Além dos danos com os metais, a lama fez com a biodiversidade do rio fosse exterminada. Ambientalistas acreditam que algumas espécies que eram apenas encontradas neste rio foram extintas. “Essa lama vai poluindo tudo e deixando resíduos em toda a cadeia, todo o leito do rio. E como o PH já é muito alto no rio, em 10, e é extremamente cáustico, essa lama vai matar completamente qualquer coisa do rio, inclusive, espécies exóticas do Rio Doce que estão extintas a partir de hoje”, disse Ruschi.

Uma prova de que o especialista está certo, é que vários moradores de Governador Valadares, na região do Rio Doce, já relataram e gravaram peixes pulando para fora do rio, provavelmente por estarem sufocados pelos rejeitos. Não é por menos, já que a quantidade de lama é enorme: aproximadamente 20 mil piscinas olímpicas cheias. Este “mar de lama” alterou o curso natural do rio, fez ele perder sua força e diversas lagoas de vida curta se formaram. Minérios de ferro, esgoto, pesticidas e agrotóxicos também estão sendo levados pelo fluxo destruidor do rio.

O impacto também pode ser terrível para os seres humanos. O biólogo André Ruschi afirma que substâncias como o mercúrio, após absorvidas, não são eliminadas pelo organismo. “Elas vão se acumulando cada vez mais, pouquinho a pouquinho, até atingir uma concentração que causa uma doença ou mata o indivíduo. Isso pode durar anos, mas vai acontecer. E tudo vai terminar na cadeia alimentar, esses elementos vão ser absorvidos pelo homem. São elementos químicos puros, e não simplesmente uma molécula que vai se desfazer e vai virar outra coisa. Serão sempre substâncias venenosas se acumulando na cadeia alimentar”, relatou ele.

A importância da bacia do rio Doce era inestimável. Ela possui uma área de drenagem de 86.715km². Cerca de 86% pertence a Minas Gerais e o restante ao Espírito Santo, com o rio abrangendo 230 municípios que utilizam, diretamente, o seu leito para trabalhar e sobreviver. As nascentes do rio localizam-se nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço, em MG, com correntezas de 850km em direção ao oceano Atlântico.

Diversos pescadores e trabalhadores da região tentaram se unir para tentar salvar alguns peixes. Eles criaram uma operação, apelidada de “Arca de Noé”, atuando em diversas regiões ainda não atingidas da bacia hidrográfica do Rio Doce. A intenção era transferir os peixes para lagoas de água limpa, utilizando caixas, caçambas, lonas plásticas ou qualquer outro material para transporte.

Ainda existem outros danos que podem ocorrer, na cordilheira submarina Vitória-Trindade, nos ES, bloqueando a corrente marinha de atingir a cordilheira. “Neste ponto, a corrente gira e forma um rodomoinho de 70 quilômetros de diâmetro, trazendo tudo quanto é nutriente que está a até quatro mil metros de profundidade para o alto, adubando essa parte superficial do mar. Pense no estrago que isso vai gerar”, disse André Ruschi, prevendo outra catástrofe.

O Ministério Público continua investigando as causas da tragédia, para poder encontrar respostas mais concretas sobre o rompimento das barragens. Segundo o último documento divulgado pelo Governo Federal, o rompimento foi classificado como “desastre tecnológico”, e não, “natural”.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), seis toneladas de peixes mortos foram retiradas, apenas no trecho mineiro do rio. Na parte do Espírito Santo, outras três toneladas foram retiradas.

O Ibama já aplicou uma multa de R$ 250 milhões à mineradora Samarco, mas o valor foi dividido em cinco autos de infração, cada um de R$ 50 milhões. Porém, a falta de comprometimento em tomar alguma atitude mais efetiva, frente a tamanho descaso com o ecossistema, ou ao menos a tentativa de remediar a realidade da destruição do Rio Doce por parte dos principais veículos de notícias, contribui para que o problema apenas aumente. Com medidas futuras ou não, o Rio Doce já pode ser declarado morto. Este saldo, nenhuma empresa privada gostaria de comprar.

[ Galileu / O Tempo ] [ Foto: Reprodução / Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Doce ]

Jornal Ciência