Devemos mesmo excluir o leite da alimentação?

de Gustavo Teixera 0

Você já deu leite para seu cachorro ou gato? E para um golfinho? Apesar de essas perguntas parecerem banais, o professor de nutrição da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Herbert Lancha Jr.

Afirma que o homem não é o único animal que toma leite mesmo depois de se tornar adulto.  Para ele, “isso acontece porque ele é o único que tem acesso à bebida”.

No entanto, existem algumas evidências agora de que há mais de 10 mil anos atrás, o leite da vaca era nocivo ao humano na fase adulta. Isso acontecia porque os humanos mais velhos não produziam lactase, a enzima responsável por quebrar a lactose, o açúcar presente no leite. 

Mas segundo um artigo publicado na revista cientifica especializada Nature, uma mutação genética permitiu que o organismo humano produzisse lactase.

Essa alteração teria se propagado pela Europa e sido transmitida de geração para geração, assim, a bebida passou a ser introduzida na rotina alimentar de um continente inteiro.

Um composto benéfico encontrado no leite da vaca é o cálcio. “A Nutrient Rich Foods (NRF) classifica o leite como alimento de alta densidade nutricional. Para essa classificação, o preço também é levado em conta”, disse a nutricionista Olga Amancio, presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban). 

Geralmente, recomenda-se que um adulto consuma diariamente mil miligramas de cálcio, para beneficiar os ossos.

Mas, apesar de parecer fácil, não é bem assim. Segundo o professor de reumatologia da Universidade Federal do Paraná, Sebastião Radominski, muitos não conseguem ingerir essa quantia diária: “Inquéritos alimentares mostram que nossa ingestão média é de 400 miligramas”, disse ele. Isso se deve ao fato de que as outras fontes de cálcio fornecem muito pouco desse nutriente.

Mas, o que mais importa nesse caso é o quanto de cálcio o organismo consegue usar: “Quando o cálcio vem do leite, 30% dele é absorvido. Se for proveniente de vegetais, a exemplo dos brócolis, esse valor cai para 5%”, disse a nutricionista Lígia Martini, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Existem estimativas de que para incorporar a mesma quantidade de cálcio existente em um copo de leite seria preciso comer 4,5 porções de brócolis ou 16 porções de espinafre.

O leite ajuda a combater a osteoporose?

Mesmo que o leite tenha uma grande quantidade de cálcio, alguns estudos contestam a importância na bebida na prevenção de osteoporose.

Em um estudo realizado pela Universidade de Uppsala, na Suécia, os pesquisadores analisaram os hábitos alimentares de 61.433 mulheres 45.339 homens através de questionários que foram respondidos pelos participantes. O resultado mostrou que o alto consumo de leite não previne a osteoporose e, na verdade, aumenta o risco de fraturas.

“Nossa hipótese é de que a culpa recai sobre a galactose, quando essa substância – formada a partir da quebra da lactose – é injetada em animais, observa-se uma morte prematura em decorrência de reações como a inflamação. E esses fatores também estão por trás de fraturas por fragilidade óssea em idosos”, disse Karl Michaëlsson, epidemiologista principal autor da pesquisa sueca.

Mas, os próprios autores do estudo pedem cautela na interpretação do resultado: “Definitivamente precisamos de novas pesquisas”, assume Michaëlsson. No estudo, os pesquisadores quantificaram a ingestão de lácteos e a ocorrência de fratura, mas não dá para saber se os voluntários responderam fielmente ao questionário.

Outro fator esquisito na pesquisa é o fato que a lactose, depois de digerida, vira galactose e glicose e segundo Lancha Jr., a galactose é absorvida melhor no organismo e por isso, a probabilidade desse consumo gerar uma inflamação é pequena. 

Apenas pessoas com uma condição chamada galactosemia não consegue assimilar direito essa molécula. Mas, segundo a médica Maria Raquel Carvalho, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) essa é uma condição muito rara que se manifesta apenas nos primeiros dias de vida de uma bebê.

Para ela, a galactose pode não ser inócua para quem não possui esta condição, mas essa uma hipótese a ser investigada. “O leite é um produto extremamente complexo.

Por isso, acho delicado colocar a culpa em uma única molécula”, ponderou Maria Raquel. Um outro estudo feito em 2016, pelo Instituto de Saúde Carlos III, da Espanha, descobriu biomarcadores do sangue que são capazes de mostrar a ingestão verdadeira de leite.

Quando realizaram testes com 7 mil pessoas, os pesquisadores não encontraram ligação entre o leite e o risco doenças cardíacas.

No entanto, sempre foi ensinado que a vaca produz o leite cheio de gorduras saturadas e por muito tempo foi o pior inimigo do coração. Dentre os tipos de gorduras no leite estão o esteárico, palmítico e mirístico.

Segundo a nutricionista Marcia Gowdak, diretora do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) o esteárico não influencia no colesterol. “Já os outros dois até aumentam sua versão ruim, o LDL, mas também elevam a concentração do bom, o HDL”, relatou Gowdak.

Por esse e outros motivos, muitos estudos não incluem o leite na lista dos adversários do coração. Mesmo após as fontes de gordura serem acusadas de causar uma epidemia de obesidade e diabetes tipo 2 nos Estados Unidos, o domínio dessas condições triplicou no país. 

Segundo Marcia Gowdak, o perigo está na substituição de alimentos que as pessoas fazem. “Quem tira leite e derivados dificilmente coloca outras fontes de proteína no lugar”, analisou Marcia.

Neste caso, o carboidrato predomina na alimentação. O iogurte é substituído pelas torradas, o leite é trocado pelo suco e assim por diante. Mas, existem dados que mostram que ao abusar desse nutriente, a concentração de moléculas de Colesterol LDL aumenta. 

Embora muitos pensem que a relação entre formatos de colesterol e a respectiva periculosidade deva ser estudada minunciosamente, o cardiologista Rogério Krakauer, da Socesp, afirma: “Não devemos vilanizar a gordura saturada. Ela pode, sim, fazer parte de uma dieta balanceada”.

Por exemplo se uma pessoa nunca teve um problema cardíaco e começa a comer mais vegetais do que carne, segundo Marcia, é possível beber leite integral sem maiores problemas. Existem indícios de que o leite integral domine 70% do mercado no Brasil e auxilie nos problemas relacionados ao peso.

De acordo com um experimento realizado pela Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, consumidores de leite integral eram menos propensos a ter diabetes tipo 2. 

Mas, segundo Lancha Jr., um trabalho publicado recentemente mostrou que os diabéticos que tomavam leite integral tinham melhor controle glicêmico. “Uma teoria é que ela deixaria a flora intestinal com perfil mais positivo, o que reduziria a inflamação no corpo”, detalhou.

Existem rumores também que dizem que o leite contribui para o desenvolvimento de alguns tipos de câncer, devido aos hormônios que passam da vaca para o leite. “Em pesquisa recente, cientistas viram que essas substâncias realmente entram no corpo. Porém, não são absorvidas”, disse Flávia Fontes, veterinária da UFMG e responsável pelo movimento Beba Mais Leite.

Para os pesquisadores detectarem os vestígios desse hormônio no sangue, eles tiveram que aumentar mil vezes a concentração deles no leite. No último relatório do Fundo Mundial de Pesquisa em Câncer, foi concluído que as provas são limitadas a respeito da ligação do leite com o surgimento de tumores.

“O que temos de robusto é que o sobrepeso e a obesidade elevam o risco de desenvolver esses tumores”, disse a nutricionista Maria Eduarda Diógenes Melo, da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional de Câncer. 

“A população oriental possui alta prevalência de intolerância à lactose e acaba excluindo o leite. Nem por isso ela tem menos câncer”, analisou o cirurgião oncológico Samuel Aguiar Júnior, do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo.

Intolerância à lactose

Muito se fala sobre a intolerância à lactose. Com o tempo, a fabricação da enzima lactase, que quebra a lactose, diminui.

Assim, quando não se tem essa substância, a lactose tem efeito nocivo ao organismo e causa gases, diarreia, cólica e outros desconfortos. 

Mesmo assim, algumas pessoas toleram algum teor de lactose, mas se não tiver certeza sobre este quadro, é melhor consultar um especialista.

Quando o corpo exclui de vez a lactose o corpo para de gerar lactase, e com isso cria-se um problema. “E hoje há evidências de que a lactose é importante para promover o equilíbrio da microbiota intestinal”, disse Marcelo Bonnet, engenheiro de alimentos da Embrapa Gado de Leite.

Alergia à lactose

“Trata-se de uma resposta exagerada do sistema imune contra a proteína do leite”, define Ariana Campos Yang, coordenadora do Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Mas, dependendo do tipo da alergia, os sintomas podem ser parecidos, portanto, os médicos se baseiam na idade para realizar um diagnóstico. “A intolerância dificilmente surge no bebê. Já a alergia se revela no início da vida e, em geral, é transitória e vai até uns 5 anos”, explicou Ariana.

Muitos pais evitam dar leite de vaca após o aniversário de um ano do bebê, mas isso não vai trazer nenhum benefício se ele não mamar mais no peito da mãe. “Atualmente, sabemos que retardar essa introdução até sobe o risco de alergia, porque se perde a fase em que o corpo da criança está preparado para aprender”, disse a especialista.

O melhor tipo para você

O teor de gordura é apenas um dos aspectos que vêm à tona na hora de comprar leite. Atualmente existem leites com níveis elevados de vitamina D, ferro, fibras e outros.

“Se a alimentação não tiver a quantidade necessária desses elementos, os produtos enriquecidos podem fazer a diferença”, disse Marcia Gowdak. “O ideal é corrigir esse tipo de situação paralelamente, para não ficar dependente dos leites fortificados”, orientou.

Fonte: Exame Foto: Reprodução / Flickr

Jornal Ciência